COMO É FAZER 68 ANOS
COMO E FAZER 68 ANOS
Outubro chegou, o vento sopra forte ao norte, mas o céu tomou-se de tons cinza violáceo constatando com a mãe d’água de bronze polido que repousa sobre uma vitória regia na Praça Pedro II. “Oh Deus, quem não quereria viver, depois de tê-la visto”? Mesmo não sendo um artista deveria admirar, ainda que involuntariamente. A ambiguidade de sentimentos e o contraste que produz essa visão apoteótica de minha amada cidade. Foi então que lembrei a minha juventude e a fisionomia de uma imobilidade enganosa a manifestar-se em mim, acendendo uma fogueira a crepitar dentro de mim e, ver aflorar em meu ser o renascimento do amor, a mesclar inconsciente com um saudosismo poético que me fez viver todos esses anos divorciado de tantos que tanto amei...
É que durante toda a minha vida eu sonhei com a magnificência dentro de um espaço reduzido que ousei chamar de desejo e nesse lugar brincávamos como crianças, por nada, coisinhas aparentemente insignificantes, que nos conduzia sempre ao auge da paixão, depois, fazendo dos teus os meus passos, assim como unidos em almas percorríamos os campos e lá, encontramos o amor por toda a parte, sob as flores, sob os céus, no seio das cores ardentes do sol que se punha em um entardecer de outubro na Av. Beira-Mar, onde liam-se mensagens de amor nas grandes nuvens que lutavam caprichosamente uma com as outras no firmamento dos céus, pois o amor não é como o mar, que visto superficialmente ou às pressas e acusado de monotonia pelas almas vulgares, enquanto certos entes privilegiados podem passar a vida inteira a admira-lo nele encontrando sem cessar fenômenos encantadores, em perene mudança que eu as contemplaria, senão sob a luz fantasiosa da memoria.
Como sempre, nas segundas feiras, cedo nos recolhemos, eu vi que a noite começava a cair, os últimos raios do sol que penetravam pela janelinha, vinham morrer justamente sobre o meu rosto cansado e, sem as chamas crepitantes da paixão eu teria ficado na obscuridade quase completa. Essas foram as reflexões que agitaram sucessivamente o meu coração, mas nesse momento, o vento norte lançou-se violentamente sobre o mar elevando ondas, espumas e saudades adormecidas, e assim, eu faço 68 anos de idade.
Airton Gondim Feitosa