Os filhos só nascem depois da meia-noite
Ela escolheu para nascer o dia que eu estava mais cansado. Saí para trabalhar às cinco horas da manhã e retornei na boquinha das duas da madrugada. Morto, mortinho da silva. Entrei no banheiro para tomar banho e mal abri o chuveiro a mãe gritou:
- A bolsa estourou!
- Eu sei, eu ouvi alguma coisa na Hora do Brasil.
- Você está falando o quê, seu doido?! Saia daí e venha cá!
Obedeci. O quarto estava totalmente alagado. Parecia um dilúvio. Olhei para o teto para ver se havia algum vazamento de água da chuva. Nada. Mas não estava chovendo, como entrou aquela água ali?
- Sua filha já está nascendo! Chame um táxi, palerma!
Saí correndo para a rua. Não tinha carro e o jeito era enfrentar a noite até o Largo da Mariquita, no Rio Vermelho.
- Venha vestir a roupa, seu maluco, antes que a polícia lhe prenda!
Era tanta voz imperativa que nem me lembrei que estava nu.
Primeira parada, hospital Espanhol, na Barra. A mulher gritando de dor e a freira insensível:
- Só podemos internar com a autorização da empresa! – respondeu a noiva de Jesus Cristo. O relógio marcava um pouco mais das três. A empresa só funcionava a partir das oito horas. A criança esperaria? Olhei para a freira com cara de poucos amigos e toquei para o hospital de emergência do plano de saúde da empresa. Sames, no Largo de Nazaré. Foi internada rapidamente e permaneceu em trabalho de parto até às três horas da tarde, quando um anjo enviou um médico de verdade, que deu a maior bronca na equipe que estava de plantão:
- Vocês não estão vendo que o caso da parturiente é cesariana?! Já, já para o centro cirúrgico!
Tomei um susto. Indaguei ao médico:
- São dois, doutor?
- Dois?! Que dois?!
- O senhor não disse aí que eram Cesário e Ana? Eu já havia combinado com a mãe de colocar o nome de Flávia.
- Ora! Vá catar piolho em macaco!
E assim, entre às quinze e dezessete horas, do dia 08 de maio de ano xis, nasceu uma linda moça, um dos orgulhos do pai. Parabéns, Flavinha!