As coisas simples, assim como as pessoas, são escolas vorazes no campo do aprendizado. Não é um saber científico, trazido pelos anos debruçados nos livros, mas uma sabedoria só materializada pela experiência do viver e conviver. Assim, enxerguei Seu José, nesta manhã. Sentado ao meu lado na sala de espera, veio dividir sua dor no coração, alegando não gostar de procurar médicos, porque “quem procura, acha”. Ao falar da dor, no alto de seus 72 anos, disse que a raiva era a causa, emendando com um: o meu beco vai ficar mal falado, dezenas de policiais civis e militares, entraram lá ontem, parece que é droga, e me sinto arrasado, envergonhado. Trabalhei anos a fio por causa do meu canto e esse canto agora é um beco do bagulho. Enquanto escorria dos seus olhos uma lágrima, tentava buscar um canto, um canto de um pássaro para acalmar um coração cheio de uma dor que médico nenhum curaria, não ousaria dizer isso a ele. Até tentei arrumar uma justificativa para as escolhas dos outros, e por que não, das consequências, mas ele colocou a mão no meu ombro, e senti todo o seu peso, não era o corpo físico, mas era a dor que carregava. E naquele segundo, entre o peso da mão e o abraço que dei, como forma de amapará-lo, sei lá, fazer nossos corações baterem juntos, num reforço, apenas por alguns segundos, ele me disse que a sua única esperança era o presidente da república, que tinha sido entrevistado por Sílvio Santos, que era um homem rico e respeitado que começou do zero, e no último domingo, fez vários questionamentos, mas não demonstrava conhecimento de nada, e que Sílvio Santos chegou até a dizer que aplicaria fora do Brasil seu dinheiro (não sei se a interpretação foi ao pé da letra). Mais tristeza maior, tinha sido experimentada naquela manhã, quando ao ver o noticiário, podendo constatar que a educação sairia perdendo com os cortes, outras áreas também, mas esta era pra ele a principal. E engasgou dizendo que não queria viver para ver a educação definhar ainda mais, que Deus teria compaixão dele, antes do neto chegar à universidade (ele acredita nos telejornais). O médico o chamou e ele se voltou para trás dizendo: “fica só entre nós essas mazelas, não quero correr o risco de ser “estilizado” (hostilizado, traduzo ). Obrigado, filha.”
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 07/05/2019
Reeditado em 07/05/2019
Código do texto: T6641158
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