O dono da bicicleta falante

Eram 6 horas da manhã e na avenida principal da cidade, o movimento era intenso. Carros, ônibus e vans transportando pessoas que iam para a labuta. Mesmo naquela barulheira toda, ouvia-se uma voz rouca, meio trêmula anunciando uma noite dançante no bar bole bole.

As casas iam passando rapidamente diante dos olhos, enquanto tocava uma música mal gravada, num disco que parecia arranhado, pois o eco era de uma única frase: “Venha ver como é que é, lá tem homem e tem mulher!” Não perca hoje, depois da meia noite, no Forró do Pedro, na rua Monteiro de Castro, um show nunca visto na cidade: Pedro e os Profetas do Forró.

“Florentina, Florentina, Florentina de Jesus”, venham conhecer o mais novo point da cidade. Bem de frente com o Bar do Caminhão, o Cachorrão do Leno. Se você disser que ouviu este anúncio, ganha um copo de refrigerante de graça.

Do retrovisor era possível ver, ao longe, uma bicicleta. À ela acoplada,  estava uma caixa de madeira com algo dentro, de onde partia um fio com uma espécie de microfone. A cada pedalada aquela imagem caricata ficava mais próxima e o som cada vez mais forte. De bermuda desbotada, camisa de candidato à eleição, chinelos Havaianas branco com azul, um boné dourado e um moletom preto estava ele. Sobre a bicicleta, uma Caloi Cecí Rosa bebê, com garupa, estava o seu ganha pão: um gravador e um microfone.

O homem da bicicleta falante tinha aproximadamente uns 45 anos, porte físico magro, cabelos lisos, sério. Estava desempregado há meses e teve a brilhante ideia de vender merchandising, o que dava a ele a garantia de pagar as contas no fim do mês. 

De forma simples, conquistou os comerciantes da cidade que com pouco, divulgavam as suas atividades, tendo grande repercussão. Os meses foram passando e o homem da bicicleta falante agora era um empresário, já tinha clientes Vip e ostentava o valor das inserções em tamanho grande no lugar da placa de moto, já tinha uma fila enorme de possíveis clientes à espera, embora não tivesse condições de atendê-los. 

Na perspectiva de melhorar a qualidade do atendimento, comprou uma bicicleta motorizada e um equipamento de som com entradas em USB, tudo gravado em Studio e sem nenhum esforço, apenas tocava as propagandas. No início muitos quiseram degustar do serviço, mas depois foi perdendo a clientela.

Ainda, na tentativa de recuperar seus clientes fiéis, comprou um triciclo motorizado, aumentou o tamanho e qualidade das caixas de som, agora eram duas, e gravou em Studio, com voz de profissionais, as vinhetas. Pouco tempo depois, foi perdendo a graça, até acabar. 

Já não tinha mais a bicicleta antiga cor de rosa, nem mesmo o microfone com microfonia rasgada, a voz rouca e trêmula, e aquela figura caricata vestida de gente simples... E o dono da bicicleta falante foi se despedindo dando lugar ao que chamaríamos de vala comum, como um carro de som qualquer.

A cidade nunca mais foi a mesma. Chapolin que não era Colorado tentou imitar, Pedro André também, mas não conseguiram. Porque jamais se viu, em qualquer época, coisa mais extraordinária que aquele homem, visto e o descrito por Inácio de Loyola Brandão, em sua crônica, na Folha.

Pena, o homem falante dono da bicicleta, perdeu a voz e vive na lembrança, daqueles que viram na sua ideia um mapa do tesouro, que ele mesmo apagou!


 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 07/05/2019
Reeditado em 07/05/2019
Código do texto: T6641023
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