Amplitude e unidade

Sinto a pele arder, o sol nada discreto trata de deixar sua marca em mim, mas não me importo. Caminhei bastante para chegar até aqui e o ar que sinto faz valer a pena o esforço que gosto de fazer. Da sombra de uma boa árvore olho mais longe e anseio o momento que aliviarei o excesso de calor. É verdade que não me livrarei do sol extravagante, mas quem disse que eu quero? Meu desejo é harmonizar nossa relação.

Em um gesto de liberdade que diz respeito só a mim, tiro a camada de roupa que predeterminei tirar e deixo mais pele à mostra que jamais tive coragem. Por fora, nada me denuncia a não ser a cor da pele claríssima.

Vou e na minha frente há água, água em movimento e em abundância. Não preciso esperar que haja suficiência, o rio se sabe, as pessoas o veem, eu o vejo grande e profundo, pode cobrir inúmeros corpos iguais ao meu. Creio que é inevitável não teme-lo, mesmo sabendo que ele tem o frescor de água que sempre gostei, testemunho um breve confronto quase silencioso entre possibilidades, mas não há nada que me convença a não entrar. Não sei nadar, mas acima disso: sei que não sei.

A cada passo à frente, sinto o contraste entre temperaturas: a àgua, a luz do sol e eu. Metade de mim está debaixo d’água, é o meu limite, logo cuido para que todo resto esteja também, desço e retorno mantendo a maior parte submersa. Sinto a força da correnteza em um nível seguro, o calor não é mais tão quente e embora eu não conheça o fundo, me sinto uma com o rio, mesmo sem mergulhar sem rumo, ele envolve cada fio do meu cabelo, umedece a minha pele e faz do sol um aliado. Parece música o risos amigos à minha volta, há graça nas crianças que rolam da areia para água em suas realidades paralelas. Agora tudo parece ter outro brilho, então: eu rio. Com as forças das minhas pernas vim e voltarei para casa, vendo a disponibilidade de tanta água doce, me sinto integrada... Suspiro e amplio: sou maior do que eu pensava.