O FANTASMA DO RELÓGIO DE PROTOCOLO
Trabalhar em ambiente profissional leve e bem humorado é o que todos desejam. Nós, aqui na justiça somos privilegiados. Em cada celebração de aniversário, em cada intervalo de cursos, sempre achamos espaço para histórias e muitos risos. Muitos mesmo! A gente costuma dizer por aqui que ganha-se bem, mas se ri mais ainda.
Volta e meia girava uma história pitoresca, às vezes sinistra, mas não deixava de ser contada. O "Gaúcho", o "Mezenga" e o "Dalmolin" sempre tinham um bom repertório. Lembro-me de uma que eu mesmo ajudei a completar. Dizia respeito a um relógio de protocolo no balcão de atendimento do primeiro andar do prédio da Landell de Moura (Justiça Federal). Na época, não tínhamos ainda nem a primeira e nem a segunda varas federais, mas havia relógios de protocolo na distribuição e no primeiro andar.
Contava-se que, de vez em quando, não raras vezes, o relógio disparava o protocolo sozinho, de forma automática, sem ordem ou comando de ninguém, como se uma folha de papel tivesse sido introduzida em seu interior e isto acontecia sempre após às dezenove horas. Segundo os colegas era o fantasma de um vigilante que ali trabalhou e depois faleceu, voltando a assombrar o local que tanto gostara de trabalhar.
A história deste fantasma e o seu consequente manifesto me intrigaram de primeira. Eu precisava ver estes fatos. E, como estudasse pela manhã, chegando para o expediente perto das treze horas eu poderia ficar até mais tarde. Gostava de ler as iniciais, as petições, as sentenças e assim não era difícil ficar até oito ou nove horas da noite.
Foi então que, inacreditavelmente, em uma daquelas noites, lá de longe, de minha mesa que ficava bem no canto da Secretaria ouvi um “trrrrrrá, trrrrrrá, trrrrrrá, trrrrrrá, trrrrrrrrr...Incrível! Estava provado! Existia mesmo o tal fantasma. Ouvi o disparo do relógio em mais duas ou três noites. Dei parte para a Diretora. Nem precisava. Ela devia conhecer bem o sacana pois ia lá estudar para o concurso da magistratura estadual bem no sótão, no terceiro andar do castelinho, lá onde vivia o assombrado. Todos os dias após às 18:30 horas, ela pedia licença para nós e se trancafiava naquele bunker das alturas, poeirento e desconfortável. E lá ficava, por duas ou três horas, estudando e acompanhando o tempo em que o fantasma descia para atormentar o relógio de protocolo.
Um dia o relógio de protocolo foi recolhido para manutenção e, por coincidência, a Diretora foi aprovada na última etapa para o concurso de juiz de direito. O relógio de protocolo, não retornou mais. Foi substituído por seu irmão mais novo e high tech chamado protocolo eletrônico, mais moderno e sem manifestação sonora.
E o fantasma? Bem! Nunca mais deu sinais. Acho que seguiu caminho junto com a nossa Diretora, ajudando-a em sua nova carreira de magistrada estadual.
Hoje eu não tenho dúvidas do que era constituído este fantasma. Os seus atributos e o seu poder. Era do bem. Era o fantasma da disciplina, do esforço, da determinação, da garra, do foco, da vontade e da fé. Tenho certeza que foi ele quem impulsionou a esforçada Diretora para o sucesso naquele concurso.
Um fantasma assim podia bater quantas vezes quisesse nas minhas panelas lá em casa. Eu até fazia gosto.
Outro dia vi nossa querida ex Diretora de Secretaria na missa da catedral em Blumenau e, ao cumprimentá-la, me lembrei desta história e até pensei...
Daria uma boa crônica.