UM SALTO PARA A POSTERIDADE

Quando o novo servidor da informática iniciou em Blumenau, vindo de Lages, a gente logo viu pelas conversas informais que não se tratava somente de um Técnico qualquer.

As primeiras credenciais mostraram tratar-se de um sujeito arrojado, com curso de piloto privado e vasta experiência em paraquedismo. No primeiro momento ninguém pensou que isto pudesse contagiar a equipe. Pouco mais adiante o cara levou para a repartição uma roupa “wing”, de homem pássaro e aí a gente começou a se assustar. Falávamos conosco mesmo.

- Vai que esse cara nos convença a experimentar essas loucuras.

A profecia não estava errada. Demorou só o tempo de uma oportunidade. Oportunidade esta que veio com a área de saltos aberta durante a Oktoberfest 2017, de 05 a 15 de outubro. Mário Priotto insistiu com muitos. Foram semanas de convencimento para experimentar saltos duplos e fazer os cursos de paraquedismo. Às vésperas da chegada da tripulação e das aeronaves o Priotto só havia feito um prosélito: -"eu mesmo". E fui logo escolhendo o salto AFF, o mais difícil.

A revoada de pássaros veio de Boituva - SP e de Caçador - SC. Uma aeronave Caravan, o Jeep dos ares, permaneceu em Blumenau durante 10 dias, embora estacionada no Hangar a metade deste período devido ao mau tempo. De qualquer sorte, um ambiente muito animador para efervescer as emoções e a aventura.

Quando se fala em paraquedismo até mesmo quem não vai praticá-lo tem frio na barriga. Como projeto de aluno paraquedista eu tive lá minhas convulsões metabólicas nas semanas que antecederam o curso. É normal. Foi preciso administrar o medo de saltar e também de comunicar a esposa, hahaha! Oportunidade de ouro. Não poderia deixar passar. Como militar da Aeronáutica entre os 16 e os 30 anos já havia deixado escapar a oportunidade de um curso de paraquedismo.

Foram dois dias de parte teórica mais uma complementação prática em Hangar. Enquanto isso quem é aluno vai sendo contagiado com a sequência de saltos dos mais experientes. Todos correm para a porta do Hangar para apreciar as aproximações e os pousos. No primeiro sábado, idosos e crianças também marcaram presença por lá.

No dia 12 de Outubro, após participar de uma missa pela manhã na paróquia Aparecida na Itoupava, segui para o Aeroporto Quero-quero para a preparação de meu primeiro salto. Após o vôo inicial da aeronave fiquei esperando pela ordem de meus instrutores. Foi então que, pela primeira vez, um paraquedista experiente e com 14 mil saltos me chamou de “maluco”. Caí em mim e percebi que se tratava de um adjetivo, uma qualificação, pois ele assim também chamava os demais paraquedistas.

Sem mais tempo! É agora! Gritou o Moacir, meu instrutor. Escolha de macacão, capacete, regulagem dos tirantes, teste dos rádios. Pronto! A hélice da Caravan já estava a girar. Não há mais retorno. Percebo que meu coração não perde a cadência, mas ao subir na aeronave minha boca começa a secar e o rosto fica aquecido e vermelho.

Decolamos! São apenas 20 minutos para eu experimentar o sentimento mitológico de Ícaro, a emoção da queda-livre. Como me comportarei? Será parecido com o momento em que saí da barriga de minha mãe? São perguntas que latejam a cabeça de um principiante.

A aeronave ronca fatiando as camadas aéreas de Blumenau, enquanto isto os “malucos”, inclusive meu colega de trabalho, brincam com descontração. Meus instrutores também brincam e relaxam. Recebi do jump master as últimas instruções, mas não me lembro de nada. A 12.000 pés de altura meu cérebro paralisou. O instrutor bateu duas vezes em meu altímetro dizendo:

- Vai ganhar “chorinho”! Vai ganhar “chorinho”!

E eu, sem entender nada, fiz cara de choro. Na verdade ele queria dizer que subiríamos até 12.700 pés, ganhando 700 pés a mais de queda-livre. Coisa de 4 segundos.

Outro momento tenso foi a hora que soou um alarme e a porta foi levantada por um paraquedista profissa. O vento frio e as nuvens brancas do lado de fora me impressionaram. Minha boca secou de vez, mas procurei manter-me calmo e atento. Os outros pequedês saíram como uma penca de siri agarrados. Queriam fazer uma formação em círculo. Minha performance foi registrada nas câmeras GoPro do Mário Priotto e do instrutor Eduardo.

Enfim o momento mais esperado. A preparação para sair na porta do avião. Não sei se alguém desiste neste momento, porque o aluno fica ensanduichado no meio dos instrutores. É hora do vamos ver. Tive medo!

Check in, Check out, abre contagem, referência, à frente, sela e … JUMP. Queda livre de 6.700 pés (quase 2 Km), 50 segundos até a abertura do paraquedas. Não dá para pensar em nada, a não ser nos movimentos ensaiados em terra. E são exatamente estes que salvam nossas vidas. Após a abertura do paraquedas me espantei com o silêncio lá no alto. Um silêncio que qualifico como “O som do Todo Poderoso”. Muito mais silêncio que a noite calma. Tive uma anormalidade na abertura do paraquedas, uma ocorrência de “twist" (trançamento das cordas), mas como fui bom aluno na parte teórica, tirei de letra. Destrancei meus tirantes rodando o assento para o lado oposto sem acionar os batoques. Depois foi só curtição na navegação do paraquedas.

Lentamente desci e na minha aterrissagem tive a sorte que o Priotto, que havia pousado bem antes, filmou na sua câmera a minha chegada em solo. Ao tocar na terra, minha emoção era visível, mas quem veio gritando alto e vibrando demais era o Mário.

Obrigado meu Deus! Pela vida e por poder experimentar estes momentos incríveis. Obrigado Senhora Aparecida porque mergulhei no vasto mar dos céus e no dia consagrado a ti me preservaste. Obrigado Nossa Senhora Auxiliadora que protegeste a navegação de meu paraquedas até o solo. Obrigado ao anjo anônimo que o dobrou anteriormente. Obrigado ao exímio piloto da aeronave Caravan que nos levou ao alto em segurança. Obrigado a meus instrutores Moacir D`Agostini, o Moa e Eduardo, o Duda, que me ensinaram os fundamentos para o salto e acreditaram que eu pudesse realizá-lo. Obrigado as escolas de paraquedismo Sky Radical e Passageiros do Vento, respectivamente de Boituva e Caçador. Obrigado ao Mário Priotto, meu colega de trabalho, que me provocou a estar nesta aventura. Obrigado a todos os amigos que fiz nesta jornada.

Muitos perguntam se farei o segundo salto. Apesar da prudência, estou como aqueles Teletubies da infância de minha filha: "De novo! De novo!...De novo!" Mas com o que realizei até aqui já tenho histórias para meus netos, bisnetos etc. Fiz este salto pensando em minha posteridade.

Quanto à nossa cidade, acabamos de descobrir uma coisa:

Nem só de Oktoberfest viverá Blumenau...Mas de eventos empolgantes como o PARAQUEDISMO.

Auf Wiedersehen!...E até o próximo salto.