ENCURRALADO, NUM BECO SEM SAÍDA
 
Seu Nicanor é um pequeno trabalhador do campo, pai de muitos filhos, a exemplo de muitos outros de sua região, que continua esperando por melhorias ocasionais promovidas pelo governo federal na sua propriedade rural.

Semana passada, com os olhos reluzentes de felicidade contou que, dias atrás, fora procurado por um político influente de seu estado que lhe prometeu muitas coisas boas e dentre elas algumas coisas que são ruins.

Dentre as coisas ruins, o político influente disse que não mais seria possível manter o benefício do Bolsa Família, nos moldes anteriores, mas em compensação ele já poderia pedir dinheiro emprestado ao banco local se quisesse resolver com maior brevidade parte de suas pendências financeiras.

Seu Nicanor disse que não entendeu a mudança, achou isso um grande absurdo e que o governo deveria repensar essa sua decisão, a final de contas todos que votaram nele o fizeram achando que ele seria o novo salvador da pátria.

Disse ainda que, ano passado, nesse mesmo período, uma assistente social e um integrante do conselho tutelar da região visitaram sua comunidade para impedir que crianças e adolescentes trabalhassem em companhia dos seus pais, ainda que eles atuassem na condição de seus ajudantes.

Segundo ele, as crianças e adolescentes que vão para escola em um dos períodos de aula, seja ele matutino ou vespertino, quando voltassem da escola, sobretudo quando estivessem em momentos ociosos, poderiam ajudar seus pais em pequenas atividades agrícolas.
 
- O governo não sabe o quanto ele está deixando de produzir – disse ele – lembrando dos velhos tempos em que esteve ajudando seus pais em algumas das  atividades da lavoura.

Disse ainda, desta feita com ar de muita preocupação:

- Se as crianças e adolescentes da nossa zona rural não podem nos ajudar em pequenas atividades braçais da lavoura e nós trabalhadores braçais adultos não podemos ficar cuidando deles o tempo todo, por falta de tempo, o que eles irão aprender nesse setor para poder ensinar a seus filhos no futuro?

Pensando bem, Seu Nicanor tem um pouco de razão quando se preocupa em manter seus filhos perto dele, ali em pequnas atividades laborais do campo, em vez de deixá-los ao deus-dará entregues à ociosidade e à falta de opções de trabalho da vida urbana.

- Será que o Estatuto da Criança e do Adolescente, que tanto se preocupa em manter as crianças e adolescentes estudando, longe das atividades laborais dos pais, ainda que isso ocorra por um curto espaço de tempo, não estaria criando um problema maior para a manutenção das futuras gerações de trabalhadores rurais? – questionou um educador local.

Mais tarde, numa conversa informal entre algumas pessoas de seu vilarejo, acerca do problema que também aflige outros lavradores como ele, um velho amigo seu, dando sua opinião pessoal, desabafou:

- Coitado do Seu Nicanor, se ele correr o bicho o pegará e se ele ficar o bicho, fatalmente, o engolirá, pois do jeito que a “justiça dos homens” está fazendo, sem permitir os pais a usar a mão-de-obra dos filhos pequenos, em pequenas atividades na lavoura, ele não terá uma saída.

- Se ele não dispuser de tempo para dar atenção aos seus filhos nos momentos pós-escola, eles certamente ficarão ociosos e desprotegidos, temporariamente e, a partir daí, quem irá cuidar deles? – questionou outro amigo de Seu Nicanor.

O prefeito do seu município também o alertou para o perigo que ele estaria correndo se desobedessse as orientações do pessoal do conselho tutelar local:

- Seu Nicanor, se o senhor mantiver seus filhos ao seu lado, lá no ambiente agrícola, mesmo que por um curto espaço de tempo, lhe ajudando em pequenas atividades laborais, pessoas da sua comunidade que não gostam do senhor, certamente, irão lhe denunciar para o Ministério Público do Trabalho - e prosseguiu:

- Nesse caso e num primeiro momento, os "homens da lei" poderão enquadrar o senhor na condição de suposto empregador rural praticante do crime de exploração de trabalho infantil, crime esse previsto na Constituição Federal de 1988. Saia dessa, moço, enquanto é cedo! – Finalizou.

Cá entre nós, se eu estivesse na pele do Seu Nicanor já teria ficado louco. São muitos os conselhos e orientações que lhe são transmitidos diariamente, os quais não resolvem os seus problemas recorrentes.

Se por um lado, Seu Nicanor necessita  conseguir mão-de-obra barata, mas ele não tem dinheiro, para poder cuidar dos trabalhos braçais da lavoura na sua pequena propriedade rural, por outro lado, ele não quer se endividar junto ao sistema financeiro bancário regional.

Sua situação é meio delicada, mas se ele não conseguir resolver esse impasse, será que irá “sobrar” alguns trocados para ele pagar o tributo rural pertinente que, apesar de ser um valor pequeno, lhe é cobrado anualmente?

Coitado do Seu Nicanor, continuará meio perdido, encurralado num beco sem saída, igual a muitos outros lavradores de sua região que se calam, mas que possuem problemas muito parecidos com os seus.