Curiosidade
Todo dia sobe aquela rua da Vila Mariana* com passos largos, firmes, rápidos. Todo dia.
Há vinte anos sobe a mesma rua com o mesmo passo apressado. As poucas árvores que restaram por ali o observam, familiares. A paisagem já nem o incomoda mais.
Bom, não é bem assim. Na verdade tem aquele prédio no meio do caminho. Sempre ele, com sua janela do segundo andar, escancarada, a mostrar de manhã até tarde da noite a coleção de troféus, taças e medalhas reluzentes e a gritar para toda a rua a sua importância.
As outras janelas, envergonhadas por não terem prêmio algum para mostrar, abrem-se de manhã e rapidamente cerram as cortinas. Calam-se diminuídas.
Toda vez que vai se aproximando do prédio, diminui o passo e olha casualmente para aquela janela. Na cabeça as mesmas perguntas sem respostas - Quem será? Quem se esforçou tanto assim? Será que saiu nos jornais?
Já pensou até em parar e perguntar na portaria ou a algum vizinho sobre a janela do segundo andar. Mas a pressa sempre camuflou a timidez, e assim, sempre tão apressado, nunca conseguiu parar e perguntar.
Há vinte anos, de segunda a sábado e algumas vezes aos domingos também, a janela teima em lhe atiçar a curiosidade e realçar-lhe a timidez. Na próxima vez, quem sabe?, pensa.
Hoje é terça-feira. Lá vem ele; passos firmes, rápidos. Parece que vai parar. Será...?
Diminui o passo, reluta, respira ofegante, parece ansioso, inseguro, nervoso.
Arrisca um olhar para a janela escancarada, se intimida, respira fundo, acende um cigarro e traga.
Olha novamente para a janela, solta a fumaça, suspira.
Num dos apartamentos um cachorro late. Numa das janelas um gato aparece e se espreguiça feliz. Em alguma esquina um carro buzina e em seguida um ônibus acelera.
A fumaça o envolve.
Ele olha mais uma vez para a janela escancarada, aperta o passo e segue rumo à estação do metrô.
Da próxima vez, quem sabe...
*Bairro de São Paulo