Os Três Conflitos
Os Três Conflitos
A promoção para o penúltimo ano do Curso de Formação de Oficiais Intendentes nos inflava o ego inculcando-nos um poder inexistente. Organizei uma relação de colegas que gostariam de fazer nas férias um curso na Brigada Paraquedista do Exército, uma vez que eu me indignara com a proibição de os cadetes intendentes fazerem o salto de emergência, a exemplo de nossos colegas aviadores.
Malas prontas para o recesso de fim de ano, fui chamado ao gabinete do Comandante do Corpo de Cadetes.
_Cadete, que negócio foi este de você pleitear curso de paraquedista para cadetes intendentes? Você quer iniciar as férias em cana?
_Major, sou militar e não apenas burocrata civil. Muitas missões logísticas requerem tarefas de salto e de lançamento aéreo de carga. No Exército, tais funções são típicas dos filhos do Acanto.
_Bobagens, cadete! Se der algum problema no pulo de paraquedas, vai me dar trabalho aqui. Além do mais, esse curso é inútil; existem dois tipos de homens, os que pulam quando se faz necessário e os que não têm coragem de pular, mesmo fazendo curso.
_Major, quando meus pais se despediram de mim, nos idos de março de 1970, entregaram minha vida à Força Aérea, sob a proteção de Nossa Senhora do Loreto, padroeira da Aviação. O risco de morte faz parte da carreira militar. Respeitosamente, não se trata de “pulo”, mas de salto de paraquedas. Entretanto, o senhor está certo. Realmente, existem dois tipos de homens, os que podem e os que não podem ser oficiais, independentemente de cursarem a Academia.
Dispensado da audiência, aguardei em vão uma merecida punição por desacato.
Já como cadete do último ano, encontrava-me numa roda de colegas comentando os dramáticos acontecimentos políticos do ano de 1975. Falávamos sobre a obra de Dom Hélder Câmara, criador da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. Subitamente, ouvi, vindo da minha retaguarda, a inconfundível voz do mesmo Comandante do Corpo de Cadetes.
_ Cadete, quem é esse tal Dom Hélder? Deve ser ficção da esquerda….
_ Realmente, major, talvez ele nem exista mesmo. Dizem que apenas foi indicado para o Nobel da Paz.
Décadas depois, tive a oportunidade de participar de santas missas rezadas por esse grande personagem para Deus e para a humanidade numa singela capelinha em Recife, onde se recolhera em seus últimos dias terrenos.
O último conflito ocorreu quando faltava um mês para o nosso aspirantado em 1975. Sendo “paulista por mercê de Deus”, a pedido do Chefe da Casa Civil do Governo do Estado de São Paulo, preparei uma lista de futuros aspirantes paulistas, para receberem como homenagem a espada de oficial, a exemplo do que tradicionalmente ocorria com aspirantes de outros Estados da Federação. Mais uma vez fui chamado pelo mesmo Major Comandante do Corpo de Cadetes:
_ Cadete, você quer iniciar seu aspirantado com uma cadeia? É desonroso pedir espadas ao Governo do Estado.
_ Major, estou apenas atendendo pedido do Governo do Estado, para fins de registro dos nomes dos aspirantes paulistas beneficiários de tal homenagem, sendo que as espadas já foram até mesmo adquiridas, conforme rubrica orçamentária própria.
Obviamente, não fui ao Palácio dos Bandeirantes entregar a relação e, pela primeira vez desde a criação do Ministério da Aeronáutica, a “Paulistarum Terra Mater” não pode oferecer a espada de oficial a seus filhos.
O pior é que eu já tinha empenhado todas minhas economias na entrada do meu primeiro carro, um belo Chevette Azul 1975. Como me formar sem espada? Um amigo, Coronel Médico Reformado, me mandou buscar sua espada, guardada há vinte anos no porão da casa de sua ex-esposa, para que eu a restaurasse e a usasse na formatura, com a condição de devolvê-la imediatamente após a cerimônia. Assim procedi.
No ano seguinte, já Aspirante e Porta Estandarte da minha primeira Organização Militar , precisava de uma espada. Meu irmão d’armas, o Ten “Morelo" me disse:
_ Sou mineiro e não perco o trem! Depois do que lhe aconteceu lá na Academia, pensei que o Governo de Minas também não poderia me agraciar com a espada de oficial. Comprei logo a minha e, no dia da nossa formatura, recebi outra espada oferecida pelo povo mineiro! Posso vender-lhe uma delas ,em dez prestações sem juros, pois sei que você está com o orçamento apertado.
Assim, graças à generosidade desse grande amigo, pude cumprir com garbo minha participação em solenidades militares, culminando com a cerimônia do meu casamento no tradicional estilo militar.