Lá vem a humanidade dizer que é coincidência, mas por pura presunção diria: conspiração sentimental, sem conceito lógico, é claro. Tudo é perspectiva.

Conheci o Pedro numa festa juvenil para qual fui convidada a ser jurada da garota sertaneja. Conversa vai, conversa vem, e ele conseguiu me convencer (por coação mental tagarela) que éramos parentes em alguma linha sucessória paralela: nunca íamos nos encontrar na árvore genealógica, mas estávamos lado a lado no salão, isso era o que importava.

Tinha cismado com a ideia de criar um centro de atendimento à pessoas com problemas emocionais /amorosos, era uma espécie de agência de namoro e de reduto da fossa (aguda ou crônica), tipo um SPA, só que sentimental, sabe? Para aqueles que viviam o luto de um término ou a expectativa de um gestação amorosa no campo da fecundação sentimental: nem precisava ser consanguíneo, já aceitava um amor adotivo. E falava disso o tempo todo, repetindo feito eco.

Analista de sistemas por conveniência (universidade federal do lado) e papai empreendedor (mamãe, coitada, estava há dois meses em processo de divórcio, e passava horas no celular, para fugir realidade, separados estavam eles,há mais que isso, mas morando na mesma mansão) foi o casamento perfeito, nunca soube e nem precisou, administrar sequer um único problema em sua vida, tudo era delegado. Já tinha 24 (com carinha de 19) mas nunca tinha conseguido ficar mais de dois meses com alguém. Então decidiu fazer dele a sua melhor propaganda: vou captar um amor.

Foi lá na casa do Marcelo, que com ele estudou informática desde o ensino médio até formar na faculdade. Era seu melhor parceiro, aliás era o desenvolvedor responsável pelo percentual cotil que tinha na empresa do pai, mas ninguém nunca soube, recebia a esmola e Pedro ficava com a grana. Era Marcelo, o expert em software. Encomendou pelo dobro do preço que pagava pelo serviço contínuo, o desenvolvimento de um aplicativo que juntasse pessoas a partir da localização via satélite, com as mesmos gostos, características comuns. Seria um seletivo virtual que eliminasse os candidatos de acordo com os gostos até o grande encontro (não era o show sensacional dos cantores baianos, infelizemnte). E lá foi ele ganhar estrelinha no caderno da capacidade intelectual invejável, ENTRE era o nome do "menino" que nasceu pra brilhar nos holofotes de coração carente:
❤️ENTRE❤️ (ENTRE CORAÇÕES).

E lá foi Pedro, experimentar o brinquedo novo. Postou uma foto de uma animal, colocou a localizaçâo e... Em 3 minutos já havia mais de 10 pessoas no entorno, inclusive na sua rua. O aplicativo tinha localização aproximada podendo ter erros de 2 a 3 km. Ficou extasiado. Colocou tipo de mulher, cor de cabelo, suas visões machistas de mundo (lavar, passar, cozinhar, cuidar da casa), suas exigências no amor e no sexo e, por fim, colocou a idade, em média, 2 vezes mais velho que ele. Como o aplicativo tinha recebido uma adesão gigante por causa das redes de contato do pai e dos 2600 funcionários da empresa (que o pai convidou (pressionadamente) a baixar) a grande "descoberta" do filho bombou na rede.

Pedro não fazia mais nada, era minuto a minuto apertando a atualização do celular. Tinha encontrado a mulher perfeita: morava entre 2 e 4km de sua casa, tinha ensino superior completo, era morena de olhos claros, adorava cozinhar para a família (embora tivesse separada há pouco mais de 1 ano e morasse com o seu filho, maior de idade e independente, inclusive, raríssimas vezes estava em casa, viajava muito), além do mais, escolheu o mesmo animal para estampar o seu perfil. Eram coincidências demais, era uma conspiração universal de amor: estava apaixonado. Quando isso acontecia, o sistema operacional do aplicativo fazia um coraçãozinho nos locais e sugeria uma encontro. ENTRE, dia 6 de abril, rua 13, Duke Pub, Olaria, 21h. E os dois clicaram na mesma hora: SIM!

Pedro estava uma pilha naquele dia, escolhendo a roupa, pra atrair a então pretendente, o cabelo, o presente. Mas deu tudo certo. Para dar a impressão de que não estava ligando muito, resolveu atrasar uns minutos, 13 no relógio, era seu número de sorte. Quando entrou, as luzes baixas e coloridas o impediam de ver o todo, nunca havia entrado num bar assim, sentou-se numa cadeira próxima do balcão e olhou para todos os lados, como se tivesse fazendo reconhecimento, de repente avista ao longe, na mesma direção, no canto contrário, a sua mãe. Correu desesperadamente até ela e já foi logo dizendo:

- O que está fazendo aqui, mãe. Não sabe que esse lugar é para encontros? E se tiver alguém mal intencionado aqui.
A mãe um pouco sem jeito, apenas dizia:
- Filho, não tenho mais 15 anos. descola. 

O filho não a deixou em paz, marcando toco, a infernizou tanto, a ponto de ela sair do bar, estressada e aos gritos até o carro. Disse que se soubesse que a mãe estava arrumando encontros, que diria o pai para que atrapalhasse a divisão  de bens do divórcio, e que Orlando ia se perder no mapa da sua rota internacional preferida.

A mãe voltou pra casa, entrou deseperada no aplicativo, bloqueou o pretendente e logo arrumou de deletar do celular qualquer resquício mínimo do tal programinha. Estava eufórica e bufante.

O filho, que depois do stress, ficou vigiando a mãe e não voltou ao local, tentou contato com a pretendente novamente pelo aplicativo, para justificar a ausência, sendo bloqueado como que numa vingança, pensava ele, e sempre tocava no assunto, como se a mãe fosse a pedra no seu caminho, e hoje não foi diferente:

- Pedro, você precisa arrumar uma namorada, meu filho. Já está com quase 25. - disse a avó materna.
- Vó, eu tentei, mas a minha mãe atrapalhou tudo. Ela te contou que estava numa balada de encontros, num bar pub? Não consegui controlar a minha raiva e perdi o amor da minha vida, tinha tudo que eu precisava, vó, minha alma gêmea.

A mãe começa a explorar a invasão do filho e o tiro sai pela culatra! Bingo.

Não disse que conspiração sentimental tem alvo cego? E Elenilda olha sempre pra mim sorrindo e eu fazendo a “egípcia” . 

Encontro de família de todas as gerações viventes é o que há! “É verdade esse bilete”. 

* “É verdade esse bilete” é uma expressão usada por uma criança que escreveu um bilhete para a mãe, como se da escola fosse, para se ausentar de suas atividades por um dia. Ficou famoso na rede por conter no fim a frase referida, escrita de forma errônea, tal qual.”

 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 29/04/2019
Reeditado em 29/04/2019
Código do texto: T6634844
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