Mar de angústias

Tédio.

Era isso que eu sentia, o mais absoluto tédio, os dias se passavam e nada acontecia, ouvi certa vez que o tédio ocorre quando algo não está funcionando, de fato era o que se passava, a minha vida já não funcionava.

Estive presa numa rotina exaustiva por um bom tempo, estudos, dramas adolescentes, pais intolerantes, entre outros fatores, as coisas pareciam agitadas demais, cansativas demais, loucas demais, apenas demais. Quando me vi livre de grande parte destas coisas, meu chão se foi, entenda, eu não sei lidar muito bem com mudanças repentinas, para mim o novo é instável e medonho, por isso me vi sem chão naquele instante.

Entendi, finalmente, o que significava dizer que a liberdade nos aprisiona.

Não tinha mais nada para fazer, então, a agitação que antes habitava somente o meu entorno, pareceu se transferir aos meus neurônios, estes que agora não me deixavam ter paz um só instante. Agora que eu podia fazer tudo, nada era a minha principal ocupação, a minha mente era a única trabalhando e de forma negativa, devo dizer.

Enquanto eu encarava o teto mofado do meu quarto, em mais uma das lamentáveis jornadas entre as lembranças de quando eu era feliz, vislumbrei por alguns instantes os passeios na praia durantes as férias, eu adorava aquilo, passava horas brincando na areia e me banhando na água salgada, lembrei de como me sentia feliz apenas por ganhar um picolé e poder me refrescar do sol escaldante, era tudo muito simples, acabei por perder essa simplicidade.

Pensei, ingenuamente, que um passeio à praia fosse ajudar a melhorar o meu estado apático, embarquei em uma das viagens de família, nas quais eu evitava comparecer, mas no momento veio a calhar, afinal o destino era a praia, mas ainda durante o caminho de ida, senti que aquele não era o meu lugar, nada parecia certo e até mesmo o asfalto que passava rápido pela janela me dizia que eu não deveria ter saído de casa.

Ao chegar e me deparar com a natureza, me senti bem e tentei empurrar aquela angústia para o canto, mas conforme o tempo foi passando, as coisas começaram a dar errado e o que era para ser algo relaxante e alegre, acabou me fazendo ficar exposta e triste. Briguei com os meus pais e não estava mais aguentando olhar para a cara dos meus primos que pareciam tão "sem problemas", eu me sentia mal, definitivamente, não havia sido uma boa ideia fazer aquela viagem, fui obrigada a reprimir o sentimento de choro que se tornava cada vez mais forte, eu estava vulnerável, qualquer palavrinha me faria chorar, tive que aguentar as músicas animadas e as vozes altas e risonhas dos meus primos cantando, alegremente, alguma música pop qualquer, enquanto eu pedia, em meu âmago, para morrer.

Resolvi sair de perto, fui até o pequeno píer observar o mar, a vontade de chorar me abateu novamente, desta vez não segurei as lágrimas, eu chorava com fervor e quanto mais tentava controlar, mais afobada se tornava a minha respiração e mais lágrimas se formavam, o mar que antes me trazia alegria e satisfação, hoje me lembrava do quão insignificante eu sou, aquela imensidão escura, por conta da noite, me fazia retomar o sentimento de prisão, o mar em sua magnitude, transmitia liberdade, o vento no meu rosto me mandava essa energia, mas eu podia sentir o paradoxo me surrar, as ondas batiam nas pedras e eu sentia a dor daquelas pedras, imagine estar estagnada por toda uma vida e apenas se deixar desgastar pelo tempo e, é claro, pela água do mar, pude me identificar com as pedras, presas, ainda que fizessem parte daquele cenário de liberdade, a melancolia daquela cena paradoxal transbordava pelos meus olhos, as lágrimas não pararam.

Quis ser abraçada naquele momento, ao menos as pedras tinham uma a outra para apoiar-se, eu estava sozinha, me sentia mais solitária do que nunca, apenas a minha mente agitada me acompanhava, me lembrando sempre o quão miserável eu estou. Não pude deixar de observar, ao longe, os meus primos ainda rindo e brincando entre si, quis fazer parte deles, mas mesmo quando estava por perto, me sentia deslocada, eles não me conheciam de fato, aquilo me incomodava, ter de fingir estar bem, fingir gostar do que eles gostavam, fingir ser feliz e simpática, fingir exigia muito de mim, estava exausta e a ideia de me atirar ao mar me pareceu tão atraente que eu já podia sentir as gotículas de água me acertarem, mas não o fiz.

Enxuguei as lágrimas e tentei me conter por alguns minutos, depois retornei aos meus primos e sentei-me ao lado deles, fingi estar prestando atenção nas músicas e recusei quando me pediram para escolher uma, eles odiariam de qualquer forma, mais uma vez me senti por fora, ao fundo, ainda podia ouvir o som das ondas batendo nas pedras, as lágrimas começaram a descer pelo meu rosto mais uma vez, ninguém percebeu, estavam ocupados demais com as suas existências.

No fim, conclui que o tédio era o meu melhor companheiro, ao deixá-lo tive esta experiência amarga, o meu quarto parecia o lugar mais seguro no momento, embora uma aflição enorme me tome ao ficar parada encarando a parede do mesmo, ao menos a mesmice me trazia certo alívio. Terminei aquela noite chorando, silenciosamente, deitada em uma cama que não era a minha, num quarto que não era o meu, tendo que observar uma parede estranha, a minha mente estava em branco, assim como a parede bem pintada do quarto de hotel, apenas a minha respiração pesada me lembrava que eu estava viva.

Brenda Nascimento
Enviado por Brenda Nascimento em 28/04/2019
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