Parnasianismo já era
"Meu amor, você é o lenitivo da minha alma, o refrigério do meu ser”. Isso era o introito de uma carta da namorada, uma sergipana que foi passar as férias escolares na casa de um parente, em Alagoinhas. Ainda não tinha idade suficiente para decifrar a importância de tamanho palavreado. Não sabia se era coisa boa, coisa ruim, ou coisa de comer. Recorri ao meu primo Paulo:
- Paulo, o que é refrigério e lenitivo?
- Leni o quê?
- Lenitivo.
- Sei lá! - ficou uns instantes pensativo e depois falou - Peraí: minha irmã Fátima tem um livro “Como escrever cartas de amor”. Esse negócio deve ser coisa desse livro.
Ele entrou no quarto da irmã, vasculhou as gavetas até encontrar o livro. Folheou por uns dez minutos e sorriu triunfante:
- Não disse?! Está aqui, ó!
Estava. Todo o palavreado da carta, tintim por tintim, inclusive o tal lenitivo e refrigério. Amarelei.
- Que sacana! Como é que ela faz isso comigo! E agora, o que é que faço?
- Peraí...
Pegou o livro de volta, folheou por outros dez minutos, e falou vitorioso:
- Achei a solução. Escreva pra ela e diga que a resposta está na página 105.
O rebuscamento das palavras era típico dos poetas parnasianos dos quais Bandeira comparou-os a sapos na Semana de Arte Moderna. A nova concepção literária requer as coisas simples, por isso devemos evitar palavras adormecidas no fundo do dicionário para dar um falso brilho aos nossos textos. Nem todo mundo tem um livro para encontrar a resposta.