SOU POETA.

O dia está quente, intranquilo, desconfortável. É dia de trabalho, 'intenso', 'penoso', 'árduo', porém, 'justo', 'digno'. Abro o portão de casa, mochila nas costas, sigo o meu caminho rumo ao destino de todos os dias. Angústia, medo, coração apertado ao extremo, tanto que, a sensação que tenho é de que a qualquer momento vou infartar, parece mesmo começo de infarto, não é nada sintomático que evidencia alguma patologia do coração, o que sinto é apenas 'estresse'.

Muito severo por sinal.

Sigo pela calçada de casa, poucos transeuntes, apenas alguns parados em frente a barbearia do Buiu. Contudo, a Darcy Landulfo se faz movimentada nesta sexta, parece pior a cada dia, carros, motos, todos barulhentos e apressados. Tapo os ouvidos, é inútil, o barulho continua.

Sigo pela avenida Edward Fru-fru, calçada movimentada, esbarrões aqui e ali. Passo em frente ao mercado do Zaia, está lotado, fecho os olhos, sigo reto. O meu destino é o terminal interbairros, ponto de ligação da Edgard com a avenida Itavuvu e a Ulysses. O trânsito — como era de se esperar — revela-se cada vez pior, motoristas raivosos, gritam, buzinas barulhentas e irritantes. No sinal, um rapaz franzino, camiseta surrada; ele vende trufas, depositadas em uma bandeja de papelão, muitas trufas devidamente equilibradas na mão esquerda. O suor a escorrer pela face do garoto.

Atravesso o sinal, sigo ladeira abaixo, passo em frente ao posto de combustíveis, o frentista acena, retribuo o gesto acenando também. Mais alguns passos e estou na Itavuvu, viro a direita, desço um pouco mais, em frente ao Shopping, cidade, outro sinal, atravesso sem pressa, fingindo não tê-la, na verdade. Já dentro do terminal aguardo o meu ônibus — que é qualquer um, a propósito. Meu próximo destino… É o trabalho, é o balcão do açougue, horas a fio de navalha nem sempre afiadas.

Já no trabalho, o relógio na parede não para, os ponteiros marcam o meu destino. Estou no refeitório dos funcionários, aguardando o horário de começar na labuta. Aquieto-me próximo da prateleira de livros — refeitório lotado — folheio um e outro livro, de repente levanto, inquieto me sirvo com meio copo descartável de café, troco algumas palavras com um e outro colega, aquieto-me novamente em frente à TV, não dou a mínima atenção à programação que está passando, meu interesse é observar as pessoas, cada um dos presentes, estudá-las para depois transformá-las em palavras.

Na mesa de bilhar o gerente do açougue joga com um dos colegas da turma da manhã, o gerente ganha a primeira rodada, perde a segunda, ganha duas em seguida, alegre caçoa do seu oponente, os demais riem juntos.

Alguns estão dormindo nas poltronas espalhadas pelo salão, outros, parecem hipnotizados, olhos grudados no celular. Um dos meus líderes, 'Joas', almoça tranquilo, sereno, sempre alegre. Admirável amigo.

As horas passam, impiedoso o relógio aponta o meu destino minuto a minuto. Sinto arder o peito, é àquela maldita angústia novamente, corroendo a alma, desnecessária, por dentro sou um vulcão em erupção cuspindo fogo, por fora, sou uma brisa suave soprando na face das flores.

Sigo o meu curso de todos os dias, no relógio, "14:30 h", um sorriso no rosto, por dentro às lágrimas inundam a alma. A aparente paz escondendo o desespero e o terror. À voz calma camufla os gritos de um coração em agonia crescente.

Sou assim,

Sou insano,

Sou poeta,

Sou humano…

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 28/04/2019
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