TERMINAL DA VELHICE

Aos dezessete anos, ainda no primeiro período do curso de Direito, procurei atendimento de uma psicóloga. Naquela altura do campeonato, o jovem poeta de então sofria atormentado pelos seus mil e um fantasmas (atualmente, são dois mil e cinquenta e três). Achava que era necessário publicar o meu primeiro livro de poemas antes dos vinte. Publiquei "A Janela do Éden" aos vinte e um e hoje, permitam-me a confissão, estou completamente arrependido diante às obras que repousam no meu laptop aguardando o processo editorial.

Naquele momento de minha vida, o grande medo que turbava as naus de minha existência era a possibilidade da chegada da senhora velhice. Viria ela num comboio solene e sôfrego arrastando-se pelas ruas de minhas carnes ainda quentes, tal qual a família imperial que descera no Rio de Janeiro por força das circunstâncias napoleônicas. Eis a grande guerra, eis a solidão da grande guerra.

Relembrei essas cousas medrosas em canto de ladainha por força de uma fotografia que plasmou-se em minhas retinas míopes, nesta semana. Estava eu no Terminal Urbano de Vila Velha aguardando o coletivo que entregaria-me ao deleite de meu aconchego. Sentada num banquinho de pedra, uma senhorinha. Seus cabelos brancos confundiam-se aos restos de louro que outrora brilhou na sua cabeça, o rosto já marcado por rugas profundas como o abismo do Mar Cáspio, as pálpebras caídas como a macieira repleta de frutos e os olhinhos encolhidos como duas formiguinhas que sentem nos corpos miúdos a chegada do inverno.

Ela comia um pão recheado por manteiga e bebia um café com leite despretensiosamente, saciando seu organismo já cansado. Devorava grandes pedaços que encaixavam perfeitamente em sua boca murcha. Não havia qualquer vaidade, não atormentava-se pelos olhares que a rodeavam, não preocupava-se se na plataforma estaria algum conhecido. Era ela, o pãozinho e o café com leite.

Senti vontade de viver aquela liberdade e aquele sentimento de não pertencer mais completamente a nenhuma das bandas do rio, porém habitar na terceira margem, a margem em que se encontra sentido e significação da passagem que nos desnuda, arranca tudo e nos retorna à miserabilidade do pó.

Aquela senhorinha é musa, é poesia, é vida como deve ser, é a aceitação do fenômeno da morte, é o lirismo em flor, uma açucena que brota às margens do São Francisco.

Sonhei noite passada com as rugas de minha avó paterna, acordei com saudade das rugas de minha avó materna que descansa na campa do último repouso e lembrei-me de uma crônica que li sobre o tempo de delicadeza que representa o último estágio da vida.

Aceito o que me aguarda, serenamente. Entrego-me às comportas e às saídas desse rio que tem ribanceira. "O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele." Quando eu lá chegar, quero ser riachinho perdido na mata. Aliás, quero ser senhorzinho a comer pão e tomar café com leite no berço esplêndido da minha própria experiência.

Italo Samuel Wyatt
Enviado por Italo Samuel Wyatt em 26/04/2019
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