O amor fica

Por vezes eu me pergunto, porque o amor é tão egoísta? Em um momento amamos alguém e temos um motivo para viver, no outro não temos mais nada, só o amor nos resta, tomando proporções absurdas chegando a preencher todos os lugares, tudo lhe lembra que aquele amor está presente, mas não existe mais o receptor deste sentimento, onde ele está?

Procuro por toda a casa, insistentemente, dia após dia, perco o sono, choro e volto a procurá-lo, um ciclo vicioso que tende a se repetir infinitamente, pois num universo onde existe o amor, ele também precisa existir, não é uma questão relativa, ele apenas precisa existir, ele é a definição de amor, ele é meu grande amor e apenas ele.

Em mais um dos tortuosos dias em que o procuro, escuto ao passar pelo seu cômodo, a melodia melancólica característica dos dias em que ele não estava feliz, eu o conhecia como um astrofísico conhece o universo, entretanto o desbravava como um bebê que conhece novas faces do mundo todos os dias, ele não estava feliz, precisava achá-lo o mais rápido possível, sua felicidade sempre foi minha prioridade, vê-lo sorrir era como ter o sol irradiando o meu mundo sempre tão sombrio e caótico.

Eu podia sentir a força proposital aplicada nas teclas do piano que ele tanto amava, podia ouvir cada nota vinda daquele instrumento, podia sentir a melancolia escorrer pelos dedos dele se transformando em música, ele tinha o dom de transformar sentimentos tão obscuros em harmonia quando estava frente à frente com o piano, ele o amava, era a sua grande paixão, não eram necessárias palavras, ele apenas deixava que os sentimentos se liquefizessem e escorressem de seus dígitos para as teclas impecavelmente brancas.

Sinto algo felpudo em meus pés, mais um de seus amores, sua cadela e companheira, parecia procurar por ele assim como eu, acariciar os pelos da cadela me pareceu adequado no momento, certo que nunca fui fã de cães e sempre preferi os gatos, entretanto por conta da alergia dele aos pelos nunca adotei um.

Que droga! Onde ele está? Por que não o acho em lugar algum? O meu amor se faz presente em cada centímetro quadrado desta terra geóide, em cada coisa já existente na história dos tempos, ele tem todo o meu amor e isto é incontestável!

Existiam aqueles momentos em que eu apenas o queria para mim de tal forma que o agarrava até vê-lo irritado com o calor excessivo naquele abraço, existiam também os momentos onde o calor não era um problema e sim uma consequência da intensidade do nosso amor, o quarto era como o céu e ele certamente era o sol, conseguindo ser ainda mais belo da maneira a qual veio ao mundo, ambos entregavam-se nestes momentos, não existiam momentos ruins ao lado dele, até o seu choro é gracioso e consolá-lo era uma dádiva.

Agora, apenas o meu amor por ele reside neste local junto à mim, nas fotografias, no piano, nas melodias que a minha mente insiste em alucinar, na cadela, nos momentos, em tudo, mas onde está ele? Para onde foi?

E mais uma vez acabo sem resposta para o egoísmo do amor, como pôde tirar-me alguém tão precioso e ainda permanecer presente me fazendo definhar dia após dia? Patético.

Naquele dia ele saiu, disse que iria passar na floricultura, segundo ele a casa precisava de mais cor e vida, mal sabia que ele era a vida da casa, era toda a cor que eu precisava, mas ele insistiu e saiu, um dia de neve, mas ele não havia colocado os pneus específicos, foi mesmo assim, em certo ponto do trajeto distraiu-se, possivelmente com alguma música animada que tocava no rádio, os pneus não pararam rápido o suficiente e o caminhão vinha rápido demais, naquele dia perdi a vontade de viver.

Me restava agora tentar dormir, descansar e procurá-lo novamente, embora eu tivesse a impressão de que ele estava comigo sempre, desde o sol que ilumina o meu dia, até a brisa que vela o meu sono, de certo modo ele estava lá, mas eu não sossegaria até encontrá-lo.

Mais uma noite tentando dormir sem os braços dele abraçando-me, mais uma madrugada que parece não ter fim, confiro as horas, 3h marcava o relógio, onde estaria Pedro estas horas?

Brenda Nascimento
Enviado por Brenda Nascimento em 25/04/2019
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