Consumo de Felicidade

Ser um usuário de redes sociais hoje requer no mínimo que sejamos como comerciantes. Um comerciante que deseja ter uma freguesia além do suficiente faz de tudo para que isso aconteça. Isso inclui até mesmo acabar com a própria paz de espírito. Não importa o que aconteça, minha visibilidade é o mais importante. E freguês que é freguês não está nem aí pra saber como tal produto foi parar na prateleira, ele quer mesmo é consumir o seu esforço, não importa se este valeu a pena ou não no final.

Chamemos isso de "capitalismo midiático ostensivo", CMO. O CMO funciona da seguinte forma: digamos que eu, o bom cidadão que trabalha, paga seus impostos, contribui com e economia do país e ao mesmo tempo alimenta o bolso de muitos colarinhos brancos, resolvo fazer uma viagem de férias às Ilhas Canárias. Tiro várias selfies (espelhos narcísicos) sorrindo, sozinho e destacando uma paisagem que alguns de meus seguidores em minha rede social nunca viram de perto ou não tiveram a sensação de como é estar lá. Mas nas minhas férias do ano passado e do ano retrasado eu também fui para o mesmo lugar e tirei várias selfies com amigos e parentes que lá estavam se narcisando também. Então percebo que ao mostrar o resultado de meses de trabalho e pressão, ou seja postar minhas selfies, a quantidade de curtidas e comentários diminuiu consideravelmente em relação às outras vezes. É estranho, porque eu realmente estou feliz, estou num lugar que adoro visitar, em que me sinto bem por diversos motivos além de turísticos. Mas isso não é mais novidade pra ninguém. As pessoas não estão mais comprando minha felicidade no arquipélago Espanhol. Agora eu devo ser feliz em outra parte da Europa, assistindo a um jogo da UEFA, ou montado em um elefante pela Índia. Porque fregueses são exigentes, independente do gênero, faixa etária ou classe social.

Entendeu como funciona? Exposição, tentação, contágio e consumo. O nosso papel como comerciante vai praticamente até o contágio e ai o consumo do seu freguês começa um novo ciclo, um novo CMO. O sociólogo e economista Thorstein Veblen em 1899 criou o termo "consumo ostensivo" onde define-se o consumo manifestado como base para inserção social. Quase nada mudou não é mesmo? A diferença é que antes o consumo era bem mais físico. Nos grandes bailes do século XIX, por exemplo, as mulheres ostentavam seus novos vestidos com amplas saias, corpetes apertadíssimos e elaborados por algum alfaiate francês, bom ou ruim, sendo francês já era alguma coisa; joias compradas pelos maridos que só sabiam valorizá-las dessa forma. Tudo para se sentirem superiores ou ao menos equiparáveis às outras mulheres. Mas ainda havia a socialização de fato, pela conversa (ou fofoca) sabia-se quem tinha o quê e como havia obtido.

Hoje o mercado da felicidade pode até ser rigoroso e exigente mas é enganador. Eu tenho um iPhone de última geração, uso roupas da Calvin Klein e ás vezes esbarro com algum artista nas festas que vou e sou feliz. Será? Trabalho, estudo, tomo uma cervejinha em qualquer bar de esquina com meus amigos de mesmo padrão, não sou fitness, mas sou feliz. Será?

A verdade é que estamos comercializando a felicidade, embrulhando em lindos pacotinhos e vendendo a dezenas, centenas e até milhares de pessoas que aceitam esse "produto" sem checar a procedência ou a consistência. À distância se vende, mas à distância não se sente. Trocamos sentimentos espontâneos por emoções e euforias forçadas. Tudo é maravilhoso até que se conheça de fato. Inventamos uma felicidade comprando felicidades inventadas. O CMO está impregnado em nossas vidas reais e virtuais, somos os contribuintes e os afetados desse mercado. E por afetado não se entenda vítima, mas suscetíveis a efeitos colaterais. Preocupação por estar ou não dentro dos padrões midiáticos; ansiedade pelas consequências de nossa visibilidade (não a influência dela); angústia pelo que pode ser novo e eu ainda não saber e por isso ser tomado como um Crood.

É, ser feliz de verdade não está fácil hoje. Como posso ser feliz se meus seguidores (fregueses) não estão comprando (sendo felizes enganadamente)? Até porque, freguês sempre é quem tem razão.