Desembarque pelo lado esquerdo do trem
A corrida dos carros pela avenida é ruidoso e impessoal, lá dentro os rostos ocultos pelas janelas são como peixes no aquário. Pela calçada até a estação do metrô tendas, barracas, biscateiros e gente de todo o tipo. Na entrada da estação o cheiro ocre de diesel colore a cena com cinza.
- É três por cinco! Tem sempre alguém vendendo alguma coisa.
A comida é rápida e barata, pouco dinheiro é a regra e o cardápio a fome. Tem batata frita com creme no saco de papel, cachorro quente e ketchup derramando, biscoitos, balas e suco colorido na garrafa. Têm roupas e bugigangas, coisas eletrônicas, relógios reluzentes e às vezes o rapa.
Toda aquela gente apressada em seus sapatos personalizados, o social clássico de maleta e terno pretos, o encardido de sola gasta, o salto alto de saia curta, o brega, a rasteirinha e o chinelo de tiras. Os pés andam ligeiros e levam seus donos pela estação, quase correm, o ambiente é de pressa e pouco tempo.
Bilheterias à esquerda, catracas à direita, escadas que sobem e que descem,trens que vem e que vão. Fila no guichê, fila na catraca, na escada e na porta do vagão. Gente que entra e que saem como sonhos que evaporam, rostos como fleches que desmancham no ar.
- Para a sua segurança não ultrapasse a linha amarela.
No vagão pessoas em pé ou sentadas são passageiros de uma historia tão curta quanto à viagem entre as estações. As vozes se espremem pelo pouco espaço e se misturam em frases entrecortadas, dizem sobre amor, dinheiro, política, jogo, novela e fé. O movimento é constante, as estações se alternam, pessoas vão e outras vêm. Pregam, falam, calam, tem a voz que bilíngue anuncia a chegada a uma próxima estação e a clandestina que faz o pregão.
- É mais barato, é pra acabar, é um real!
A senhora com sacola, a moça bonita com fone de ouvidos, o cara de chapéu e maleta, o estudante de mochila nas costas, o leitor, o vendedor, aonde vão? Gente diferente e ao mesmo tempo tão igual. Fome, sede, sonhos e medos é gente no plural de um único rosto singular.
- Suporte aranha, a novidade, pra ver, tirar foto e filmar, sem imposto... Cinco reais!
Segue o trem, corre a cidade, desliza nos trilhos, para na estação, gente que entra e gente que sai. Um pedaço encardido de papel rouba o sossego, passou por tantas mãos com frases feitas na medida, reclama compaixão.
– comida e remédio, mãe doente e desemprego... A miséria social e a vida como ela é. Segue o trem incontinente, com pessoas, desejos e necessidades em seu insólito mercado.
- Próxima estação Sé, desembarque pelo lado esquerdo do trem, nex station Sé... Voz com locução milimétrica nos detalhes.
Quem vai e quem fica? O trem para, a porta abre, gente sai, outras entram, a viagem segue, a vida segue.
Gladyston Costa