Bife e poesia

Engraçado como certas palavras e expressões entram e saem de moda. Ou, então, vão-se substituindo para expressar a mesma ideia ou a mesma emoção. Cáspite! (do tempo de nossos avós, ou mais) foi-se virando em coisas como Puxa! – Nossa Senhora! – Nossa! – Caramba! – Caraca! – e por aí vai. Para onde, ninguém sabe.

No meu tempo e no tempo de muita gente que está lendo isso agora, quem não usou a expressão “uma brasa, mora”? Parece até que moçada prafrentex (epa!) que falava isso é do século retrasado, mas vários deles ainda estão por aí, cantando e até fazendo sucesso. Ok, com o pessoal antigo, da “velha guarda”, que se peja em usar os termos de poucos (poucos?) anos atrás, para não passar carão.

Hoje, a molecada usa tantos termos estranhos, que se divulgam pela internet, que nem vale a pena citá-los, porque, como o próprio meio que utilizam para espalhá-los, mudam a cada instante. Como modelo de telefone celular. Também não vou ficar fazendo um inventário de termos desusados, porque são tantos e tão variados quanto é inconstante e variada essa nossa língua portuguesa, falada aqui, lá na velha terrinha e em outras terrinhas africanas e asiáticas, com sotaques e expressões também muito diferentes e, às vezes, estranhas.

Quero misturar, sob esse tema, coisas tão diversas quanto literatura e poesia e gastronomia. Ou seja, quero falar de um prato cujo nome – extremamente popular há alguns anos (quantos? nem sei!) – hoje ninguém mais se lembra: o bife a cavalo.

E onde entra a poesia? Ah, sim, a poesia. Ela entra através da pena do poeta José Paulo Paes, que conhecia mais como (ótimo) tradutor, sem imaginar que tivesse uma vasta obra poética, variada e muito, muito interessante, para dizer o mínimo. Tem o nosso poeta até mesmo uma boa quantidade de poemas voltados para o público infantil, com muita verve, irreverência e ironia, difíceis de encontrar em poemas voltados para crianças.

Então... estava eu procurando os poemas de Zé Paulo (acho, até, que posso chamá-lo assim, tão íntimo fiquei de sua poesia) espalhados pela internet, quando dei de cara com este poema:

O bife

José Paulo Paes

Onde é

que está

meu bife?

Fugiu do açougue

sumiu da cozinha

no prato não acho

quem sabe me diga:

será que meu bife

está noutra barriga?

Meu bife

era

a cavalo:

um ovo estalado

com batata frita.

Porém me lembrei:

sendo bife a cavalo

fugiu no galope

não vou mais achá-lo.

Bife a cavalo! Todo buteco que se prezasse servia um bom bife a cavalo. O engraçado é que – e isso sempre me vinha à mente, quando, diante de meus alunos, nas aulas de português, usava o termo “bife a cavalo” para explicar por que não podia haver crase (“cavalo” – palavra masculina, não admite artigo “a”, para se contrair com a preposição “a” – essa mania de dar lição de gramática ainda me persegue, ô coisa!) – repito: o engraçado é que, na verdade, o que vem mesmo a cavalo é o ovo! Ah, sim: é preciso explicar que o bife a cavalo se constitui de um simplório bife de carne bovina (pode ser qualquer corte, mas o preferido era o contrafilé) com um ovo em cima! Não seria o caso de chamá-lo “ovo a cavalo”? Acho que não: não soa bem, além do que, bife a cavalo é bem mais charmoso, dá mais a impressão de algo que nos vai saciar a fome bem rapidinho, ainda que o cavalo hoje não seja mais o meio de transporte mais usado nem, claro, o mais rápido (o tempora, o mores!).

Conta-se que os mais engraçadinhos ou, talvez, os mais famintos, sempre pediam ao garçom que o bife a cavalo viesse com umas batatinhas fritas no estribo e arroz ou uma saladinha na garupa. O que eu quero registrar, no entanto, é que esse prosaico prato da culinária popular brasileira desapareceu do cardápio de todos os bares e restaurantes. Não sei se o brasileiro deixou de comer bife com ovo frito, ou se apenas o nome – bife a cavalo – deixou de fazer parte de seu vocabulário.

De qualquer forma, com a poesia de José Paulo Paes, resgato uma expressão e, quem sabe, também o prato: que nossos bares e restaurantes populares e, por que não?, também os mais sofisticados – só espero que não gourmetizado e com o preço inflacionado – passem de novo a servir esse nosso antigo e famigerado bife a cavalo. Que pedir bife com ovo frito é o ó (se é que ainda se pode usar essa expressão).