Sujeito oculto
Ele passa, devagarzinho, e as horas, na pressa do dia. Morosamente ele passa, e não é notado, exceto pelos cachorros com os quais divide o espaço das calçadas. É sujeito oculto, exceto quando resolve requerer de sujeitos determinados privilégios de mortal, como pão, água, cobertor; caso em que a polícia se faz necessária para manter a ordem e a hierarquia social. Quando a lei chega e o sujeito oculto passa a existir como agente de desordem e desacato, as horas começam a alongar-se. ''Que diabo!'', pensa o sujeito oculto, ''Por acaso não sabem que hoje é domingo? Por que, pelo menos aos domingos, não param com a mania de trabalhar em tempo integral para manter a ordem e os bons costumes?" E é então que o sujeito oculto passa a pensar em por que o mundo é tão grande e não lhe cabe; por que tem tanta água que não lhe dá para matar sede; por que há tanta gente que não lhe dá conta: a pensar em seu fracasso. Terá nascido sujeito oculto ou se tornado sujeito oculto? Eis a questão.
Quando nasceu deram-lhe nome determinado, cobertor, de comer e de beber e lhe colocaram na fila do progresso; mas veio a inflação, as depressões criadas e naturais e se foi o progresso. Veio-lhe o Mercado e lhe levou o nome, o cobertor, o de comer e de beber e, assim, por forças do meio, tornou-se sujeito oculto. Desde então, só vive aos domingos, a procurar pedaços de si, do sujeito determindado que tinha por objetivo servir ao progresso, mas que ironicamente acabou sendo adotado pelo fracasso. Devagarzinho ele olha ao longe, tentando decifrar o enigma que o cerca. Em marcha lenta, ele segue a passos lentos pelas calçadas de ruas definidas e nomeadas, professando sua filosofia de vida, baseada no presente.
De onde veio para onde vai, já não lhe interessa mais saber, que apreendeu a ser presente; a viver em marcha lenta. Adaptou-se às ausências, à fome, ao frio, à sede. Adaptou-se a ser sujeito oculto. Apreendeu a amar, não as Esferas do Dragão nem os homens, mas uma caixinha de som que leva consigo embaixo do braço e próximo do coração. A ela, que lhe traz leveza, sossego e acalma-lhe o coração em dias indeterminados, dedica amor. Apreendeu não só a morar na rua, mas principalmente a viver rua, a reconhecer-se rua e a professar rua. Logo, pretende coexistir: ele, a sua caixinha de som e a rua. E então deixará de ser sujeito oculto e passará a existir, na vastidão das ruas, sujeito determinado.