ESTÓRIAS CARIOCAS ACRONOLÓGICAS - PARTE VIII

1---A SAARA, no feminino. Sim, porque 'o' é o deserto, lá longe. Harmonia perfeita entre judeus e muçulmanos, depois chineses que saíram da condição de mão-de-obra bem baratinha, perto de escravidão, para... também lojistas. Quase paraíso - não tem anjos nem o não-dormir na ameaça de invasões a casas ou países... Comércio que fervilha, a Sociedade de Amigos e Adjacências da Rua da Alfândega (rua mais conhecida onde tudo começou). Era a d´cada de 60 e a região cada vez mais recebia imigrantes do mundo todo - leitores sabem o que significa o Cristo Redentor, no alto da montanha, rosto sério, porém confiantes e amistosos braços abertos? Bom, 11 ruas no centro da cidade e cerca de 1.300 estabelecimentos comerciais. Saudosa personagem de novela por certo diz: *"Não é brinquedo, não!" ----- A abertura dos portos brasileiros em 1808 (D. João era sabidão discreto - um mero comedor de frangos é pura piada, gordos /coitados indefesos!/ sempre em evidência crítica...) atraiu para 'nós' (nasci bem depois...) em especial a navegação europeia - França, Itália... -, disputando passageiros: curiosamente, facilidade para os médio-orientais. ----- Fim do século XIX e início do XX, certo tipo de comércio varejista diversificado reuniu em único espaço geográfico os mais diferenes povos: sírios-libaneses-judeus-gregos-turcos-espanhóis-argentinos... (Querem mais?) No geral, apelidados "turcos" (Nacib, em "Gabriela", esclarecia 'sou-libanês', muito na bronca.) Foragidos de guerra desde a I GM /1914-18/ - a princípio, mascates, isto é, vendedores ambulantes de porta em porta (pioneiríssimos os judeus da praça XI...), caixotes-maletas de madeira ou malas pesadíssimas, carregadas de mercadorias. Atualmente, estátua-homenagem a estes pioneiros na esquina de rua Buenos Aires com Regente Feijó. ----- Com o fim da II GM /1939-45/, economia em dificuldade na Europa, mais imigrantes aqui......... Comércio de varejo, sendo o lendário GABRIEL HABIB, loja fundada em 1918, ex-atacadista de artigos de armarinho, varejista no novo ambiente - varejo de brinquedos na década de 50. ----- Habib 'quase' sinônimo de Saara: o libanês fugiu com a família em 1914, Líbano sob o domínio otomano; chegou ao Rio com 19 anos (desde os 12, ladrilheiro em Beirute), a bordo do 'Chargeurs Réunis', reunir-se com três irmãos - filho Demétrio foi o primeiro presidente da Saara, fundada em 1962, sociedade para defender os comerciantes locais das investidas do governador /apelido "Coruja"/ que amava o poder e "imaginava" (todo sonho tem limite!) incríveis desapropriações apenas para construir uma via diagonal da Central do Brasil à Lapa - ih, projeto faliu, sociedade se fortaleceu. ----- A região da atual SAARA, não por acaso o nome 'rua de Alfândega', nome desde 1716, era de escoamento dos navios, onde aconteciam a vistoria e conferência das mercadorias (papo de contrabando por certo já era pré-histórico: carne cara de bisões, marfim para bijuterias e objetos variados...). Para os recém-chegados, havia o Hotel Boueri, prédio de dois andares, acomodação e comida barata, situado na praça da República; os já orgulhosos veteranos davam as dicas para construir as tais maletas e......... trabalhar! Oito, dez quilômetros de caminhadas diárias por diversos bairros - prosperidade, ainda que muuuuito demorada, abriu lojas de comércio atacadista. ----- Dos tempos antigos, ainda existe uma tradicional charutaria de 1890, fundada pelo libanês ALI HAJE, que chegou aos 16 anos e foi vender fósforos e cigarros (leitor já imaginando um harém e o exótico aparelho do fumo narguilé) - comum os comerciantes comprarem os sobrados para instalar a família e estocar mercadorias, bate-papo entre amigos, na calçada, no fim da tarde; hoje, somente umas três famílias prósperas continuam... ----- A Saara possibilita infra-estrutura de segurança, limpeza, banheiros públicos, estacionamentos, ambulância e até mesmo a Rádio Saara. ----- A partir da década de 80, foi a vez de chineses e coreanos em especial lojas de artigos para festas. ----- Espaço para todo tipo de mercadorias, de roupas a temperos internacionais, penas de avestruzes australianas e restaurantes onde árabes e judeus sentam em paz na mesma mesa. ----- Qual a exata origem do bolo de nozes com mel?

2---As ruas da atual Saara foram urbanizadas no século XVIII, antes da chegada da Corte Portuguesa em 1808, a mais antiga foi a da Alfândega, por motivos óbvios, chamada Caminho do Capueruçu, ligando a Várzea (atual Primeiro de Março) e a lagoa de Capueruçu, na chamada Boca do Sertão, caminho direto para Minas Gerais - com a abertura dos portos, chegaram os primeiros imigrantes ingleses e mais tarde sírios e libaneses; diz-se que num balcão de loja FRANCISCO MANUEL DA SILVA compôs o Hino Nacional. ----- Originalmente, a rua Senhor dos Passos chamava-se Caminho de Fernão Gomes, nome atual em 1843, pela construção da Capela do Senhor dos Passos, elevada à Ordem Terceira de Nossa Senhora do Terço em 1948. ----- A atual rua Buenos Aires, este nome em 1915, era a rua do Hospício, onde havia um asilo fundado por padres franciscanos italianos. ----- A transversal principal, hoje avenida Pereira Passos, ex-rua da Lampadosa, do Erário e do Sacramento, em 1820 inaugurada a Igreja do Santíssimo Sacramento, é homenagem a um prefeito inovador-urbanista. ----- Importante a rua Tomé de Souza, homenagem ao primeiro governador geral do Brasil, de 1549 a 1553, e já se chamou Segunda Travessa de São Joaquim e rua do Núncio, alguma zona de meretrício. ----- A atual praça da República servia no século XVII como pasto para animais, construída no local a Igreja de São domingos no início do século XVIII e recebeu o nome de Campo de São Domingos; por desavenças religiosas, o espaço foi dividido e construída a Igreja de Santana, agora Campo de Santana, local onde se deu em 1889 a Proclamação da República. ----- Compões também a Saara as ruas dos Andradas, Gonçalves Ledo, Regente Feijó, República do Líbano e da Conceição.

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NOTA DO AUTOR:

*Bordão da pasteleira "Dona Jura" (atriz SOLANGE COUTO), em "O clone", de GLÓRIA PEREZ, 2002 - por acaso, estória do romance entre uma brasileira e um muçulmano.

LEIAM meus trabalhos "Avenida Presidente Vargas no Rio de Janeiro" e "Campo de Santana".

FONTE (pesquisa e inspiração):

"Consumo no varejo" - Rio, revista NÓS DA ESCOLA, n.48/2007.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 20/04/2019
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