Eu já tive futuro

Sábado, meio dia. Já é final de abril e um restinho de calor parece ainda me atazanar. Eu e calor não nascemos para conviver. Tenho tantos incômodos na vida, mas nenhum se compara ao verão, ou ao que faça lembrar. Tenho estado tão triste que sequer imaginar um céu azul e mulheres com as pernas de fora na rua me animam.

Saí para andar um pouco pela cidade. Engraçado que sábado é um dia de encontrar homens com camisas de time e moças com bolsas de compra. Sacolas e mais sacolas. E eu, de bermuda, um tênis velho e uma camisa nova. Comprei açaí. A ideia era caminhar pelas ruas, enquanto misturava as coisas no copo comprido e geladinho. Decidi ir para a praça. Encontrei uma sombra e sentei.

Aquela praça foi palco de muitas alegrias minhas, anos e anos atrás. Fui um bom goleiro de futsal, e o meu time fazia muitas partidas por aqui. Na semana passada terminei um relacionamento que mexeu muito comigo. Ambos doentes. Não havia futuro ali, a não ser duas pessoas capengas e machucadas tentando curar uma a outra.

Crianças e crianças brincando. Eu sempre quis ter uma menina, e numa bicicletinha havia uma branquinha de cabelo comprido, pedalando, pedalando. Chamei-a de Laura. Para mim era a Laurinha do papai. A menina que nunca terei.

E os pequenos estão lá, gritando, sorrindo, fazendo manhas… os pais atentos, alguns preguiçosos, e outro que entravam nas brincadeiras.

Estava eu pensativo, com meu telefone na mão pronto para ligar para o CVV - Centro de valorização da vida. Não tenho vivido dias bons.

Perguntei a mim: qual dessas crianças será a sorteada com uma alma triste como a minha? eu já fui feliz, já tive um futuro incrível pela frente. Tive sonhos. E hoje sou este traste. Essa pessoa infeliz e amarga. Tão feliz por fora, que ri e conta piadas. Que ajuda os outros às vezes para além do que se pode. Que teve diante de si uma mulher linda que quis se entregar. Mas preferiu não fazer nada, por medo do novo. E também não quis perder a mulher que era seu porto seguro, mesmo tendo por ela um sentimento mais filial do que de homem.

Aproveitem, crianças. Eu só peço a Deus que conservem vocês de um futuro como o meu.

Por favor, vida. Não faça isso com eles.