A Árvore Elétrica
Aquele muro, com menos de dois metros de altura, tinha uma particularidade: a pequena e singela árvore que crescia junto a ele.
Não sei dizer de que espécie se tratava. Não tinha muitos atrativos. Só sei que ocupava o terreno do vizinho e, vez ou outra, avançava seus galhos para o meu lado. Tantas vezes foi podada, mas nunca a pedido meu, uma vez que nunca verbalizei algum desagrado pela invasão.
Mas houve vezes que sim, me irritou bastante. Suas folhas secas espalhadas pelo chão. Algumas imprecações contra o vizinho que sequer conhecia pessoalmente. Também houve dias, muitos deles aliás, em que pássaros que ali faziam pousada me despertaram. O chilrear nos finais de semana, dias em que se podia dormir mais, me tiravam do sério. Perder o sono, antes das seis da manhã, em meio àquela sinfonia...mais imprecações contra o vizinho do qual nem sabia o nome.
Isso se deu por bastante tempo, até o dia em que não foi a bagunça dos pássaros que me despertou pela manhã, mas sim pancadas inexoráveis, machadadas enfim, tão logo pude perceber. Conversas, bastante barulho, perturbação. Imprecações veladas contra o vizinho que mal conhecia, sequer o nome sabia. O dia seguiu com uma claridade estranha ao lado da janela do quarto. A bendita árvore, tantas vezes maldita, já não mais ali estava. Tempos depois fui saber fora usada por um dos tantos amigos do alheio para acessar o pátio e, posteriormente, adentrar à casa. A senhora que lá se encontrava, solitária na noite fria, quase infartou com a indesejada visita . Foi amordaçada e trancada, no banheiro, enquanto o serviço era feito. Um carro discreto, que na esquina esperava, saiu do local com a mala cheia, assim como os bancos traseiros. A frente, os dois sócios no empreendimento sorriam com a fartura da empreitada: dois celulares, um notebook, uma CPU com um monitor, duas smart TVs, dinheiro, jóias, muitas delas, entre outras quinquilharias. Tudo muito rápido e discreto, tanto que nada ouvi do fundo do meu sono profundo.
Aquela árvore, que por vezes me aborrecera, podia ser vista da janela do banheiro. Lembro de nela ver um aparentemente frágil ninho que, no entanto, suportou a tantos ventos e chuvas. A mãe protegia sua prole com toda a bravura com a qual era possível. Às vezes, mesmo na cama, durante um temporal, me lembrava do ninho, e me questionava se suportaria aquilo tudo.
No dia seguinte, as machadadas foram substituídas por outros ruídos. Conversas, batidas, até uma furadeira se fez ouvir. A agitação correu ao longo de todo o dia e, no final dele, já se podia ver pequenas placas, num espaçamento de três metros entre cada uma delas, nas quais se podia ler a advertência: PERIGO – CERCA ELÉTRICA. Os apenas aparentemente frágeis fios dariam àquela família mais tranquilidade. O chilrear dos pássaros não me acordaria mais nos finais de semana e, com certeza, as imprecações contra o vizinho, o qual mal conheço, cessariam. Sem folhas secas para varrer do chão. Não temeria mais, no meio de uma noite tempestuosa, pelo ninho com a família que podia ser vista da janela do meu banheiro. A partir de então, a cerca elétrica nos traria silêncio e segurança.
E também vazio.
Maldito ladrão.