Sobre uma crise de choro

Eu já tive crises, em algumas eu somente me sentia pressionado nos ombros, como que carregando um capetinha brincalhão nas costas; em outras eu me percebia sem forças para andar ou mesmo sair debaixo do chuveiro. Mas nenhuma foi tão significativa como chorar por não lembrar onde ficou a cueca.

Escrevi em um texto passado sobre ter tido uma crise no quarto, em pleno domingo à tarde, arrumando a caixa de remédios. Muitas já foram as ocasiões em que me peguei ou chorando, ou paralisado, ou mesmo fugindo. Porém chorar por causa de uma cueca trouxe a tona toda a fragilidade de minha saúde mental.

Era um domingo, já se passavam das dez da noite. Eu tenho o costume de caminhar pelado dentro de casa, ou enrolado em uma toalha. Não tenho por que ter todo este pudor, pois não tenho vizinhos e a chance de alguém estar numa luneta a um quilômetro da minha casa pode até existir, mas daria este prazer ao voyeur. A sala estava com as luzes acesas enquanto assistia um série cômica, para distrair, realmente. A programação era intencional. A cozinha e o corredor de acesso ao quarto estavam com as luzes apagadas, restando um filete de luz a sair da fresta da porta do banheiro, esquecida como de costume.

Então ao que eu resolvo me vestir me pergunto: ué, onde coloquei a cueca? o exercício de recordar onde esqueci a peça azul me deixou profundamente alterado, pois entre a cabeceira do quarto, o banheiro e até a mesa da cozinha não havia nada que me lembrasse uma cueca.

Então eu parei e disse pra mim: “estou tão ruim que nem lembro onde ponho as cuecas”. Comecei a chorar. Deitei no sofá e os personagens caricatos de um seriado norte-americano começaram a embaçar diante de mim. Já não tinha por que rir das piadas ou situações constrangedoras de quatro amigos nerds frente a uma loirinha gostosa; minha mente agora estava focada em dizer: “você está um merda, você está decaindo”, e respondia: “Por que, por quê?” Por que estou assim, por que cheguei a este ponto, meu Deus? Por que agora dói, se até dois minutos atrás eu acompanhava a vinheta do seriado assobiando? Por que tanta tristeza, por que tanta dor no peito, por que tanta vontade de que isso tudo acabe e então o mundo vai continuar girando?

Abandonei o sofá e fui pro lado de fora da casa. Uma noite bonita, fresca. Mês de março. Olhava longe, distante, o morro a frente de minha casa e um silêncio entre a paz e tédio. Sentia-me diante de um aquário com peixes sem graça, na casa da tia infeliz e chata. Tempo não passa, vou olhar os peixinhos. Na parte esquerda nota-se um carro de polícia descendo uma rua que saía na padaria. Mais abaixo dois caras caminhando de chinelo e bermudas…

E o choro perseguia minha noite.

Entrei e saí de casa umas três vezes, chorei, parei, respirei. Não resisti e utilizei o Rivotril. Não gosto de usar, tenho muitas reservas. Mas era necessário.

Seis horas depois despertava. Um pouco de dor nas costas e uma sensação de que desci as escadas com uma calça de moletom preta. Sonho ou desejo de sair dali e me juntar aos caras que conversavam numa noite fresca de março? Pra ser sincero, tudo o que eu precisava naquela noite era de um abraço e de um ouvido que pudesse ouvir tudo o que me consumia.

E o que tem me consumido há semanas.