A “minha” Notre Dame
Por razões que não são para aqui chamadas, fui ateu durante alguns anos.
Agora à distância percebo que o meu regresso ao cristianismo foi um processo por etapas, etapas que só percebi que existiram e que aconteceram quando o processo acabou.
A primeira das etapas foi Notre Dame, a segunda foi Taizé, a terceira a aldeia mártir de Oradour-sur-Glane, e última novamente Notre Dame.
Nos finais dos anos 90 escrevi um rascunho de um conto, onde, um homem perdido, destruído, que, sem o saber, andava à procura da sua fé. O final desse conto era em Notre Dame, onde, de forma inesperada ele, ao mesmo tempo em que se reencontrou, encontrou a sua fé perdida.
O conto era apenas um aglomerado confuso de ideias, e por isso ficou numa gaveta à espera de melhores dias.
Passaram alguns, muitos anos, e ao conhecer por acaso Taizé, sem ser crente, encontrei uma terra estranha que passou a ser também minha.
Agora tudo começa a andar muito depressa, e dai a três anos, visitei e conheci uma aldeia de que ouvira falar desde pequeno, a aldeia onde teve lugar o pior massacre de civis em França durante a última guerra. Quando conheci a aldeia, vindo de Taizé, uma espécie de luz se acendeu, e penso que mudei para sempre, porque comecei a voltar a Acreditar.
Foi a terceira etapa.
Quando cheguei a casa, lembrei-me de pegar no velho conto, perdido algures numa gaveta.
Em poucos dias o conto estava pronto, porque, as ideias confusas passaram a fazerem sentido, e mais sentido fizeram quando a personagem principal se encontrou no interior de Notre Dame.
Confesso, embora tenha estado ao lado dela, nunca visitei o seu interior, e por isso toda a acção foi baseada em fotografias que abundam na web, a tal ponto que construí toda uma cena, ao pormenor, baseado apenas nas dezenas de fotos que me permitiram construir aquilo que na tarde de 15 de Abril de 2019 foi destruído.
Mas voltando atrás no tempo :quando coloquei o último ponto final no conto soube que o meu processo tinha acabado.
Em plena Notre Dame regressara ao Cristianismo.
Quem me conhece sabe que não sou muito espiritual, que é raro ir a uma missa, que não me revejo em boa parte dos dogmas da Igreja, mas sou católico, e tenho imenso orgulho em tal.
Por isso, quando ardeu Notre Dame, ardeu uma parte da minha história, uma parte de mim, porque quando um homem perde a sua história, nem que seja uma pequena parte dela, esse homem fica incompleto, e eu ficarei para sempre incompleto, mesmo quando Notre Dame se voltar a erguer, como se vai voltar a erguer, porque, para toda a Humanidade ela é demasiado importante para ficar em ruínas.
E nesse dia, o dia do renascimento da Catedral eu sorrirei, porque, além da obra de arte que estará recuperada, o local onde me encontrei voltará a estar de pé, de pé, desafiando o céu, em homenagem ao encontro entre a inteligência e a sensibilidades humanas, cujo fruto maior é Notre Dame.