MEU MUNDO E AS MINHAS BONECAS

Ainda hoje, as bonecas exercem um fascínio sobre mim. Na minha infância elas tiveram um grande significado para o meu desenvolvimento. Percebo que a maneira como eu brincava me ajudaram a interagir melhor nos meus relacionamentos e resolver meus conflitos. Eu reproduzia, através das brincadeiras com as bonecas, a minha realidade cotidiana: meus medos, meus segredos, minhas alegrias, minhas curiosidades e projeção de como seria a vida adulta.

Imitava as falas dos que me circundavam com reprodução de situações do dia a dia, alegres ou tristes. O medo das vacinas me inspirara a vacinar as bonecas, levando-as no posto de saúde fictício vacinando-as no bumbum com espinhos de quiabento. Os castigos: bolos de palmatória na mão, a surra de cinto, bainha de facão ou de cipó de fedegoso para tirar o “calundu”, imitando meu próprio choro e o discurso de minha mãe simultaneamente, era a maneira de trabalhar o medo e de entender o porquê de tudo que eu vivenciava.

Todos os cantos da casa eram propícios para brincar com as bonecas. Nas manhãs frescas, na sala, ou nas tardes ensolaradas, brincava no quintal com a coleguinha do outro lado. Em todas as estações eu brincava a valer. De pés descalços, sentindo o frescor do solo eu aguava o chão, varia, dividia o espaço em um quadrado com cabos de vassouras e com lasca de lenhas finas. Fazia a repartição da casa de brinquedo; sala, banheiro, quarto, cozinha, quintal com portão e até garagem (pegava emprestados os carros dos meus irmãos). E para cada cômodo uma boneca: sentada, deitada, em pé no fogão, em pé no “portão” da casa, representando um personagem. Fazíamos do mesmo jeito na calçada de nossas casas.

Ganhar bonecas era uma alegria. Eu tinha uma caixa grande delas, todas baratinhas, compradas em camelôs, mas eram carregadas de significados. Algumas delas eu só ganhava depois de passado o período de presépio, porque minha mãe comprava as bonecas para vesti-las de noivas, noivos, padres, e eu ficava ansiosa, pois passado a festa de reis, eu ganhava algumas. Outras, em ocasiões diversas: aniversário, dia da criança, natal ou quando o dinheiro sobrava.

Eu sempre mudava de predileta, o tempo era ganhar uma nova, mas sempre brinquei com todas elas. E cada uma representava um carinho de mãe, de família. Alguém me dava uma boneca e eu me sentia notada, amada. Nunca tive bonecas de marcas, mas as minhas bonecas deixaram marcas em minha vida. Quando demorava muito de ganhar uma, devido aos tempos difíceis causados pela seca, eu fazia uma nova de sabugo de milho. Esta ficava como predileta e eu me sentia feliz. Enrolava-a com retalhos de panos e ela parecia um bebê.

Naquela época não havia energia onde eu morava. Nossa diversão era as bonecas de dia, e as cantigas de roda à noite. Ah! As cantigas de roda... Mas isso é uma outra nostalgia para lembrar em um outro momento.

Luz Ribeiro, 27 de abril de 2011