+++HOJE VI MEU CRISTO+++

Realmente não sabemos como será nosso dia. Hoje meu começou muito cedo, fui a um trilhão de ciclistas, infelizmente não pude faz o percurso com o pessoal porque estava com a imunidade baixa. Li uma mensagem que fiz, fui bastante ovacionada e depois que todos saíram me dei ao luxo de ficar no evento por mais algumas horas esperando o pessoal voltar. Não fiquei para o almoço, os domingos são sagrados, sempre casa de minha mãe. Até aqui tudo bem. Hoje é domingo de Ramos, disse a mãe que viria em casa tomar um banho e me arrumar para irmos todos à missa. Estava chovendo na ocasião, inclusive pedi minha mãe uma sombrinha e quando sai o portão para fora me deparei com a cena mais triste que meus olhos se recusavam a acreditar: uma adolescente de quinze a dezesseis anos, sentada na calçada do outro lado da rua, com a bicicleta aos pés, um olhar vago e perdido, debaixo da chuva, que juntamente com suas lágrimas lhe banhava o corpo frágil, usava um short jeans escuro desfiado, desses que a maioria usa, uma blusa de lã branca, os cabelos presos em um coque improvisado, soluçava e chora. Quis tirá-la dali, levá-la para casa, ela não me permitiu tocá-la, disse que tudo estava bem. Mas seus olhos me diziam outra coisa, não sabia se chorava com ela e por ela naquele instante, me contive diante dessa situação, foi quando percebi, quando ela se levantou e pegou a bicicleta caída, que estava bêbada, drogada e ferida. Tentei várias vezes chamá-la a realidade, mas ela não me ouvia. Andou alguns metros a pé, empurrando a bicicleta, trôpega, em zig zag, tentando montá-la. Com muito custo conseguiu. Fiquei um pouco ali observando-a, minha mãe também. Foi quando pensei em segui-la, afinal eu estava de carro. Fui atrás, mas, não a vi mais, olhei a rua principal até o final, as que cruzavam a principal e nem sinal dela. Ela simplesmente desaparecera. Fiquei confusa, talvez tivesse entrado em algum bar, olhei se havia sinal dela no único bar para a direção que ela fora e nada. Senti um aperto no peito e muito por ter feito quase para “o Cristo” que me apareceu justamente na semana da via crucis. O toque talvez a curasse, mas infelizmente, os jovens de hoje não se permitem ser tocados. Coloquei-me no lugar da mãe do “meu Cristo”. Será que a esperava em casa, será como reagiria ao “vê-lo” chegar?

Fui à missa e só conseguia pensar nela, durante a comunhão chorei por ela, rezei por ela, “o meu Cristo” hoje. Nunca pensei que Cristo um dia pudesse vir a mim assim, tão miúdo, tão cheio de cicatrizes, lacrimoso, sofrido, perdido, como se todos o tivessem abandonado. Na reflexão de hoje percebi que Cristo se sentiu como essa garota, sozinho e indefeso. Ah, Jesus, me perdoe por não ter tido a chance de enxugar suas lágrimas, de não ter te abraçado naquela chuva, por não ter tido tempo de te alcançar.

Agora choro a dor desses jovens tão dependentes de carinho e amor, que as duras penas vão sobrevivendo, como esse “meu Cristo hoje”. Não sei se um dia meu olhar cruzará o dessa pobre criatura, no entanto no silêncio do meu quarto e da noite que se agiganta lá fora, só peço a Deus, que cuide dela, que a cure, que a faça sair desse fundo do poço, que a resgate.

Minha cândida menina, “meu Cristo hoje”, você tocou a minha alma, me modificou mais, me fez enxergar que o sofrimento ainda existe, nas mazelas mais vis de uma sociedade onde valores são invertidos, aonde a violência vem com requintes das piores atrocidades e que os muros que nos separam estão cada vez maiores.

Tive vontade de gritar, mas minha voz ficou embargada, talvez por causa desse encontro que nunca imaginei ter com Cristo, que mais uma vez me desnudou a alma.

Que venha a Semana Santa, onde contigo ainda caminharei, até a chegada triunfal, que a morte não pode vencer a vida. Espero ter oportunidade de encontrar com “meu Cristo hoje” um dia novamente e poder abraçá-lo e dizer que sinto muito pelo que não fui capaz de fazer.