DOMINGO DE RAMOS

O colega recantista Iratiense Thuto Teixeira publicou crônica sobre o mesmo tema e isso foi bastante para que viessem à tona da minha memória, as lembranças da época em que se cumpriam as recomendações da santa madre igreja.

A partir da quarta-feira da semana santa, quando as aulas eram suspensas, eu me transferia com armas e malas para a casa dos meus avós maternos, meu refúgio predileto, e como ela era católica apostólica romana, membro da ordem terceira de S. Francisco e outros badulaques, eu era o encarregado de conduzi-la em todas as cerimônias dentro ou fora do templo vez que, por uma crise de glaucoma, ela perdera uma das vistas e era praticamente cega da outra que foi salva graças à perícia do Dr. Tubal Valença, oftalmologista altamente conceituado naqueles anos da metade do século passado que administrou doses cavalares de pilocarpina antes da cirurgia para desobstrução da “válvula de escape” do globo ocular.

Meu avô era oficial da Marinha do Brasil e em cumprimento às determinações do Ministério da Marinha cumpriu vários mandatos consecutivos como presidente das colônias de pesca do Estado de Pernambuco e graças ao trabalho profícuo em defesa da classe, construção e manutenção de estaleiros, escolas regulares e de pesca para os filhos dos pescadores além das boas amizades que conseguiu fazer, durante a semana santa, todos os dias chegavam carregamentos com presentes de frutos do mar como forma de agradecimento pelos serviços que ele prestava.

Apesar da família ser grande era impossível consumir tudo aquilo e os vizinhos dos meus avós eram agraciados com peixes, lagostas, ostras, polvos, mariscos, guajás, caranguejos de Fernando de Noronha, camarões Vila Franca, pitu, e sete barbas, jerimum, coco e bredo que fazem parte da culinária tradicional da Região Nordeste nesse período do ano em que, naquela época, era pecado comer carne vermelha.

Geralmente no sábado, visitávamos as casas das pessoas amigas que possuíam palmeiras de jardim, daquelas que se plantam em jarros, para colher as quatro palmas que seriam levadas para a cerimônia da bênção oficiada pelo pároco, Monsenhor Lobo, velho chato, ranzinza, que invariavelmente estava de mau humor, principalmente, contra os da minha idade, só porque nós conversávamos enquanto ele falava um monte de coisas em latim que o coroinha respondia, mas que, obviamente, ninguém entendia bulhufas...

O funcionamento do nosso cérebro é uma coisa verdadeiramente prodigiosa, porque nesse momento enquanto escrevo sobre essas lembranças, apesar dos sessenta e tantos anos de distância parecem atuais, porque estou sentindo o odor dos saborosos alimentos e mesmo sem recordar os nomes ou definir os rostos, revejo as pessoas e relembro os detalhes daquela época que, indelevelmente, marcaram a minha vida.