Ex-caipira

Hoje, em uma rua desta cidade/mundo, ao dobrar uma esquina, me deparei com um espécime que antes era facilmente encontrado nos sítios e quintais das fazendas, mas que atualmente é cada vez mais frequente por estas bandas. Elas que, em outros tempos não tão idos, viviam em meio a matas e campo aberto, treinando solidão, agora moram sossegadamente em cidades. Adaptaram-se bem ao cimento, aprenderam as leis de trânsito, os bons costumes citadinos e hoje convivem harmonicamente com gente e rodas. Chegaram à cidade e, segundo a estatística, já somam uns vinte e quatro bilhões no mundo.Temos atualmente mais galinhas que gente no mundo, e ainda não aprendemos com elas a arte de ser feliz. Isso é uma pena, porque, para além de fonte de proteínas, galinhas podem nos fornecer ensinamentos teóricos e práticos de vida em comunidade, espírito coletivo, empatia.

Galinhas são seres protetores, que vivem para o presente, para o essencial, para a família. São animais inteligentes, que têm mais inteligência e consciência de mundo que muitas pessoas, não duvido. Vovó mesmo tinha uma galinha que sabia algebra, as horas do dia, as estações do ano. Era-nos muito útil naquela época em que não tínhamos acesso à educação formal, a relógios nem a meteorologistas. Hoje o mundo é outro, mais próximo dos relógios e dos meteorologistas e distante das galinhas. Mas eu ainda tenho grande admiração por estes seres vertebrados e sociáveis. Por isso, ao encontrar na esquina de minha cidade/mundo um desses seres de asas que não voam, me detive em reverência, querendo mesmo estabelecer um contato direto e sociável com aquela galinha.

Era uma galinha, dessas vistosas e razoavelmente gordas, acompanhada de sua prole, em fila. Igualmente a mim, desejava atravessar a via. E agora, quem tinha a vez? Embora não tenhamos código regulamentando o caso, resolvi dar-lhe a preferência. E lá foi ela: arriscar as vértebras no asfalto. Mas antes, olhou para os lados, abanou as asas, como que a avisar para os filhotes que esperassem a sua autorização para seguir. Então, a galinha, após proceder os trâmites legais, autorizou a família a acompanhá-la, e assim atravessaram, sãos e salvos, como geralmente acontece aos ébrios, a via. E eu, a observá-la em seu proceder, me senti filhote perdido no asfalto. Fiquei pensando, de mim para mim, que para além de proteínas e ovos, galinhas nos dão lições de existir, de um existir terrestre.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 14/04/2019
Código do texto: T6623062
Classificação de conteúdo: seguro