A sua noite de glória

Você escreve um livro. Escreve e publica, pois nunca foi tão fácil publicar um livro. Hoje em dia, já nem precisa de editora, dá para fazer tudo sozinho. Uns conhecimentos básicos de edição, uns modelos prontos de capa e voilá: o seu livro está publicado e disponível à venda na Internet. Você não paga nada. Isso porque a gráfica só imprime o seu livro quando tem um comprador, então não há dinheiro perdido.

Você se anima e escreve um livro. Coloca nele o melhor de si, acha que tem muita coisa a dizer aos outros, fica feliz de ter um meio de se expressar. Ao fim de tudo, você tem um livro. Você avisa os seus amigos que escreveu um livro. Todos dão parabéns a você, todos querem saber como comprar. Você diz que vai ter uma noite de lançamento – quem diria, uma noite de lançamento de um livro seu! E muita gente diz que vai, alguns lamentam não estarem na mesma cidade que você, pedem um lançamento na cidade delas, e você diz que vai ver se isso é possível, quem sabe, mas de toda forma você está feliz demais por toda essa recepção tão favorável ao seu livro.

Você prepara um evento de lançamento. Não há editora grande por trás do seu livro, não há como conseguir fazer o lançamento em grandes livrarias, mas você consegue agendá-lo para uma biblioteca. É o que basta e você se esforçará para tornar tudo bem aconchegante aos seus leitores. Mas, antes de tudo, é preciso comprar os seus próprios livros. Você não recebe exemplares do seu livro, tem que comprar os livros que irá vender na noite do seu lançamento. E você não sabe quantos irá comprar, não sabe quanta gente vai aparecer no lançamento. Tenta fazer uma conta mentalmente, todas as pessoas que certamente irão e aquelas que deram a entender que podem ir. Sabe que vai precisar desembolsar muito dinheiro, mas tudo, ou pelo menos a maior parte, você receberá de volta na própria noite do lançamento. É melhor comprar uns livros a mais, sempre se pode alcançar um leitor inesperado. Ah, você agora tem um livro!

Chega o dia da grande noite. A sua mãe ajuda a organizar tudo, a mãe fez até umas sacolinhas bem fofas que irão acompanhar cada exemplar do livro. Você faz propaganda nas redes sociais, diz que está esperando todo mundo. Amigos comentam: eu vou! Uns dizem que infelizmente não vão poder, tiveram um imprevisto qualquer, mas tudo bem, não serão esses que vão estragar uma noite tão feliz. Já com a mesa pronta, com os livros e as sacolinhas dispostas, você posta uma foto, reforça o convite, todos curtem e uma de suas amigas diz: “Daqui a pouco chego aí”.

Sete e meia da noite. Você já está sentada na mesa em que irá autografar os primeiros livros da sua vida. O livro é bem simples, a edição é simples, o próprio evento de lançamento é simples, mas tudo é feito de coração e os seus leitores reconhecem isso. Ali está a sua mãe, ali está o seu namorado. E agora é só esperar que comecem a chegar os seus leitores.

Oito horas. Os frequentadores da biblioteca passam pela sua mesa, olham com certa curiosidade, mas não param. Eles não estão ali por causa do seu lançamento. Ninguém está ali por causa disso. Até o momento, não apareceu ninguém, nem mesmo a sua amiga que disse que dali a pouco estaria aí. Você acessa as redes sociais, vê se dizem alguma coisa. Há muitos “likes” e palavras de incentivo, mas vindas de quem não está ali. Você não se contém e posta um “Gente, cadê vocês?”. Mas um minuto depois você se arrepende e apaga. Sua mãe, seu namorado, eles falam coisas para lhe animar, mas você mal ouve e, na verdade, eles nem sabem direito o que falar.

Eis a sua noite de glória: sentada no meio dos seus livros, com inúteis sacolinhas fofas ao seu lado, chorando como uma criança, lamentando aquela ideia estúpida de escrever e publicar um livro.

“Daqui a pouco chego aí”. Até hoje!

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 13/04/2019
Reeditado em 13/04/2019
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