Publicações anteriores desta série:
   Crônicas de Brandão - Introdução
   Crônicas de Brandão  - 1) O Mico da Lanchonete
   Crônicas de Brandão  - 2) O Brado Retumbante
   Crônicas de Brandâo  - 3) A Gincana da Torta de Maçã
   Crônicas de Brandão  - 4) RRRaii RRRoberrrt!!!
 
Crônicas de Brandão

5 – Puts... Melou!!!
 
       A vida de estudante em uma universidade americana impõe dedicação total aos estudos. Aula pela manhã, trabalhos acadêmicos à tarde e muita leitura à noite, principalmente às vésperas das frequentes provas de avaliação.

       Descoberta a estreita identificação entre Brandão e eu, passamos a estar juntos a maior parte do dia, quando frequentávamos as aulas, a biblioteca e outras dependências da Universidade, o que nos permitia cumprir com os deveres escolares. 
       
       O senso de humor sempre estava presente em qualquer situação que experimentássemos. Quando não havia pretexto para uma boa gargalhada, inventávamos um.


       Brandão comprara, havia poucos dias, uma pasta de couro para acomodar seu material escolar, na livraria da Universidade. Era ainda o início do verão acadêmico e, todos os dias, frequentávamos a biblioteca onde imperava a tranquilidade e onde podíamos desfrutar da abundância de material para nossas pesquisas. Como passávamos um longo tempo na biblioteca, vez por outra, éramos acometidos pela necessidade de aliviar o corpo dos resíduos de ingestões não aproveitadas pelo organismo.

      Naquele dia aconteceu de os meus clamores intestinais coincidirem com os dele. Neste particular, como em muitos outros que fomos descobrindo com o tempo, tínhamos comportamentos bem diferentes. Eu sempre fui prático e pouco escrupuloso em relação a frequentar sanitários públicos, até porque o fazia duas ou mais vezes ao dia, o que inviabilizava tratar o evento com um acurado planejamento prévio. Mas Brandão não. Era meticuloso, cheio de escrúpulos quanto ao asseio das instalações sanitárias que frequentava. Preferia utilizá-las em casa, onde, após desvencilhar-se do incômodo, tomava um banho completo. Mas nesse dia não havia tempo. Tinha que ser ali mesmo.  

       O prédio da biblioteca tinha vários andares, e em cada andar um banheiro coletivo. Começamos a inspeção sanitária pelo primeiro andar. Sem sequer visitar as instalações Brandão já as reprovou sumariamente. Só porque era o primeiro andar, o mais próximo de onde as pessoas se aglomeravam no térreo, o andar da biblioteca e da cantina. Passamos para o segundo. Também não; pela quantidade de papel nos cestos Brandão deduzia quantas pessoas já não haviam passado por ali depois da última faxina. Terceiro andar. Parecia limpo, mas o odor predominante denunciava uma visita recente. Quarto andar. “Ah! Finalmente um sanitário parecido com o lá de casa”, Brandão deve ter pensado.

       - Vai ser aqui mesmo - disse, entrando de mala nova na mão pela portinhola de um dos recintos privados, trancando-a em seguida atrás de si.  Eu fiz o mesmo em outro cubículo.  E, tudo concluído, num ritmo que me era próprio, saí antes dele e fiquei à espera na área comum do sanitário.  Finalmente ouvi o barulho da descarga.

       Não foi a demora o que me intrigou, pois já conhecia a exacerbada meticulosidade de Brandão. Mas, o que me surpreendeu foram os impropérios e palavrões proferidos aos brados, vindos do pequeno cubículo fechado que Brandão ocupava.

       Aos poucos, à medida que o discurso impublicável de Brandão se desenvolvia, entendi o que se passava. O vaso, de aparência limpa e asseada, estava entupido. Dentro do pequeno cubículo não havia como fugir da regurgitação incessante do vaso sanitário. A portinhola abria para dentro. Abri-la, implicaria em ter que se submeter ainda mais àquele fluxo incontrolável de matéria orgânica fétida, descartada por ele e por tantos outros que por ali já haviam passado.  A mala nova no chão, já não era mais nova. Perdera a virgindade da forma menos digna que Brandão jamais poderia imaginar.

       Do lado de fora, eu ria. Ria não, gargalhava. Gargalhava de perder o fôlego. Havia se comprovado ali, de forma contundente, a eficácia da lei da atração.

       Mas - nada como um dia atrás do outro - no dia seguinte, já de mala limpa, desinfetada, sem qualquer vestígio da violência que sofrera, Brandão voltou à livraria da Universidade.  Trocou-a por outra, imaculada.