Casa do Músico e do Poeta

Casa do músico e do poeta

Edson Gonçalves Ferreira

É a lei... Precisamos vender a casa onde meu pai, Arlindo Bigode criou a nossa família. A casa em que Dona Nita plantou sua figueira e, durante décadas, embalou o sonho de muita gente com doces-de-figo foi para o chão. O progresso chega é assim e nem o lirismo do poeta respeita. Nada contra quem comprou e, com direito, tem novos sonhos para o local onde a casa do poeta ficava. Agora, direito de dizer que a casa não desapareceu, eu tenho de dizer e anunciar que ela virou livro.

Podemos comprar o que quiser; às vezes, até matam uma pessoa como aconteceu com Jesus, com Gandhi, com Luther King e outros. Sei, eu sei que não sou tão importante assim, mas sou como diz o provérbio “um homem carregado de histórias” e, Divinópolis, queridos leitores e queridas leitoras, tem história sim. Foi na casa do poeta, ali na Avenida 21 de Abril que, na década de 50 e 60, reuniam-se os grandes nomes da Música de nossa cidade.

Lembro-me, perfeitamente, embora fosse menino, da carpintaria de meu pai repleta pelos músicos da Banda Santa Cecília e dos conjuntos musicais em que ele tocava e, de forma marcante, de Zé Bola, Salim Ayres da Silva, Tony Kinho, Maestro João Pinto, João Pânfilo e, ainda, dos intelectuais Petrônio Bax, Palmério Ameno, Totonho Machado, Rosenwald Hudson de Oliveira, Otto Mourão, entre outros. Minha mãe fazia a peixada e, depois, entre danças e músicas, principalmente fados tocados, às vezes, pelas minhas tias Eulina e Luiza, a noite ficava mais linda ainda enquanto, lá no céu, sob o olhar sonhador de Dona Nita Gonçalves, minha mãe, a lua lambia o céu.

Esta crônica não foi escrita para lamentar que a casa do músico e do poeta foi derrubada, não, foi para dizer para esta cidade, chamada, de forma bem preciosa, de Divina Polis, que ninguém consegue apagar a história bela dos homens que aqui chegaram e, de maneira sensível, supervalorizam mais o ser que o ter. Entre esses homens cujas casas já não existem mais ou já foram vendidas, cito o imortal Jovelino Rabelo, Chico Doido, Chiquinho Teodoro, Alvimar Mourão, Pedro X. Gontijo, Joaquim Lara, Jacinto Guimarães, Armando Fonseca, Lúcia Gomide Campos, Guita Lopes, Didi Guimarães, Isaura Ferreira, entre outros.

A casa do músico e do poeta não existe mais na Avenida 21 de Abril, mas está nos poemas que escrevi e que, graças a Deus, já ultrapassaram os limites daquela avenida onde, com as graças de Senhor, vivemos momentos de imensa alegria e de profunda tristeza como é peculiar na vida de qualquer ser humano. Hoje, ao passar pelo local onde ficava a casa do músico Arlindo Bigode e deste poeta, só desejo felicidades para quem ficar ali e se, à noite, sentirem de longe os acordes de um piston ou de violinos, podem ter a certeza de que eles, meus pais e minhas tias, estão passando espiritualmente pela rua só, somente para abençoar quem, porventura, esteja ali. Afinal, como disse a minha amiga poetisa Adélia Prado: “O que a memória ama fica eterno”.

edson gonçalves ferreira
Enviado por edson gonçalves ferreira em 21/09/2007
Código do texto: T662170
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