Quero festa (a crônica)

Como já andei comentando outro dia, fui preparado para viver num mundo que há muito deixou de existir, onde tratava-se de senhor o mais velho ao qual também se pedia a bênção, onde se respeitava os professores e os pais como as autoridades, tal qual estes o eram realmente. É difícil falar dos valores adquiridos pela minha geração sem assumir a posição de um chato de galocha, por dizer o que a esmagadora maioria não quer ouvir, por isso não se apoquente o caro leitor. Só meto aqui este pequeno introito, porque pretendo pinçar daqueles idos saudosos, lembranças amenas que talvez não sejam de todo desagradável aos viventes desse mundo movediço.

Minha infância foi muito bem preenchida com atividades físicas como jogos e pescarias, que não faltavam parceiros nem situações propícias. Contudo eu, menino tímido e franzino era muitas vezes preterido nas equipes formadas de improviso, o que me levou a dar-me com maior afinco a atividades que exigiam menos habilidades físicas e mais capacidade intelectual. Na minha adolescência e juventude a literatura e a música me salvaram de situações frustrantes que me ocorriam na infância. Aqui eu não ficava na lanterna.

Então? Eu escrevia e compunha, datilografava e arquivava tudo. As minhas músicas eu as gravava em fitas k7 (ao jovem leitor explico depois o que são essas coisas). Vez ou outra participava de algum concurso literário ou concorria em algum festival de música chegando a alcançar alguns prêmios. O tempo passou e com ele aquelas ilusões juvenis. Mas minha produção ficou guardada.

Um dia de 1995, eu já casado e com filhos, recebi a visita dos irmãos Diro e Dirinho. Apareceram lá em casa, disseram que estavam gravando um cd, que o repertório estava quase completo, mas ainda faltava uma música de corno, afinal, traição é mote indispensável no trabalho de uma dupla sertaneja que se preze. Muito por acaso eu tinha composto uma música de corno, claro que inspirado pelo drama de um amigo, intendam bem. Mostrei para eles duas composições, Uma de corno (Triângulo) e uma balada romântica (Só você – que por um lapso de terrível mau gosto foi registrada e gravada com o título: “Forte amor”) ambas estavam gravadas numa mesma fita k7 e datilografadas. Gostaram de ambas e saíram decididos a incluí-las no trabalho. Naquela fita, porém estava gravada uma terceira canção, meio que temporã (Quero festa), que eu acabara de compor e não havia ainda datilografado.

Me contaram depois, os jovens aventureiros, que enviaram todo o repertório a seu produtor musical (Gravadora Alba – São Paulo). As músicas foram produzidas e eles convocados para colocar as vozes. Foram pegos de surpresa porque a terceira canção de minha autoria havia sido incluída sem o conhecimento deles, tentaram recusá-la porque não a conheciam, mas o produtor não abriu mão.

O disco saiu, enfim. Trabalho modesto, com tiragem pequena que logo se esgotou. Os meios de divulgação de que dispúnhamos naquela época eram as rádios, os shows dos rapazes e as rodas de viola nos botecos. Passada aquela efervescência natural do lançamento, permaneceram na lembrança dos amigos uma ou outra canção, volta e meia pedida nas rodas de cantoria por aí. Passaram-se mais de duas décadas e os cd’s desapareceram. Não sei que descaminho levou o meu exemplar e Quero Festa acabou caindo no esquecimento. Andei procurando pelo cd, mas ninguém mais o tinha, desconfio que nem os próprios intérpretes.

Dia desses conversando com o Tadeu a respeito de obras perdidas, mencionei a raridade e ele, para a minha alegria, disse que a tinha. Pedi emprestado disse que não emprestaria de jeito nenhum, pois se eu não soube cuidar do meu, como iria ter cuidado com o dele. Aprecio muito uma pessoa verdadeira. Não me aborreci porque ele estava coberto de razão. Dias depois me trouxe a relíquia e assistiu-me copiá-la em meu computador.

E foi assim que se deu. A música que tiveram que ensaiar às pressas para inserção de última hora está rolando agora no Youtube, graças ao zelo do Tadeu que conseguiu conservar um daqueles discos.

(Leia também: Quero festa (letra de música)

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 11/04/2019
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