UM PEDAÇO DE PÃO COM CHIMIA
Depois de quatro tentativas, consegui subir no carrossel, o pior é que ele estava em movimento. Das tantas vezes que tentei, na última, bastou uma entrevista e subi no cavalinho, ajustado ao meu compasso de nove anos, com terceiro ano primário.
Enfim lá estava eu, bem no ano de 1965, na coluna do centro, coluna de quatro classes duplas.
Na coluna da direita, vista do quadro negro para o fundo da sala, estava o segundo ano, junto às janelas, na coluna da esquerda, vista do mesmo olhar, estavam os do quarto ano, castigados, por serem mais velhos, assim ficavam junto à parede e nos dias nublados, a vista sofria, pois não havia iluminação na sala. Lá frente a Dona Beloni Cezar Leite, nossa professora, nossa diretora, nossa faxineira, nossa tudo.
Do segundo a Célia e os demais colegas, do terceiro ano, eu e o Irineu, o Marinho e o Valdir, a Rosinha, Rúbia e a Edite, do quarto ano, o Antonio, o Maneca, o Valmir, a Ederci, a a Isabel, não exatamente nesta ordem. Na outra sala, bem maior, funcionava o primeiro ano, com a professora Liege. Eram mais de 20 alunos.
A escola tinha nome de Santo, de Santo famoso, Escola Municipal São Pedro, subordinada a prefeitura de Viamão, depois, bem depois passou a égide de Porto Alegre.
Ter nome de Santo não adiantava muito, aliás, escapava pela qualidade dos colegas e da devoção de Dona Beloni, que levantava-se as 5 horas da manhã, apanhava dois ônibus para estar lá conosco.
Pois bem, na turma do primeiro ano havia um menino de 7 anos, daqueles que estava no limite da pobreza com a miserabilidade. O corte de cabelos era feito em casa mesmo, os cabelos claros e lisos, recebiam algumas tesouradas, aparando-lhe por baixo, contornando o rosto e pouco acima dos olhos, quando mais crescido, tiravam-lhe a visão. então obrigavam o menino a reparti-los, como se estivesse abrindo uma cortina. Lá no ressesso de nossa casa, pusemos nele, o apelido de cortininha.
Já no início do ano letivo, no horário do recreio, enquanto eu comia o meu pão com chimia, ele, o Cortininha, disfarçadamente pôs a mão e pediu-me um pedacinho. Já em casa, dei conhecimento à mamãe. No dia seguinte ela colocou um pedaço de pão com a mistura igual a minha e disse-me que eu alcançasse ao Cortininha.