Crianças na Praça, Poesia...

Aqueles com os quais se construiu amizade longeva e alguns visitantes da escrivaninha do “Recanto das Letras”, onde divulgo o trabalho, são os que, generosamente, me titulam poeta.

Sempre fiz justiça, por considerar-me bom crítico, inclusive de meu próprio trabalho. Dessa forma, respondo que não me considero poeta. Sou apenas atento, percebo e registro um pouco da infinita poesia oferecida pela vida.

Era domingo de verão e a chuva, como se entendesse nossos desejos, ofertou manhã dourada pelo sol e céu diverso em esculturas com nuvens...

Existe praça no bairro onde resido. Passado e futuro são contemplados: os da terceira idade, com aqueles aparelhos para leves “exercícios antiferrugem”; e para as crianças, aqueles tradicionais para brincadeiras.

Durante caminhada em torno da praça observei grupo de quatro meninas com idades entre quatro e seis anos, que preferiram o mais tradicional dos lazeres dos humanos, a brincadeira.

Estavam brincando, não sei o nome, pois no meu tempo a criatividade era menor. Consistia em uma escolher uma cor e as outras saírem a correr, para encontrar e tocar em alguma coisa da cor escolhida, e depois irem bater numa árvore, escolhida como base, antes de serem alcançadas, por quem escolhera a cor.

Azul, saíam correndo para os aparelhos da terceira idade pintados em azul e amarelo. Aí a menor foi alcançada, antes de chegar a base e escolheu “a cor do mundo”. Todas saíram correndo e a pequenina colocou-se, estrategicamente, próximo à base.

Praticamente por não encontrarem nada com a “cor do mundo” uma tentou chegar à base e foi tocada pela que escolhera a cor. As outras se aproximaram e perguntaram desiludidas: “qual é a cor do mundo”?

Essa é a cor mais fácil de encontrar, é qualquer das cores, todas as cores são “a cor do mundo”. Então, resolveram sentar, formando um círculo e desandaram a participar de outro apreciado lazer dos humanos, “bater papo”.

Exclamou uma delas: olhem a Lua! Surpreendi-me com a afirmativa, olhei para o céu e procurei aquela, tal uma bola de nuvem pendurada, como se alto relevo fosse, do azul celeste.

Ao mesmo tempo em que constatava a ausência, ouvi a exclamação da mais novinha, com aquela graça e espontaneidade dos quatro anos: não vejo nenhuma Lua no céu!

Então, aquela que afirmara, retrucou e explicou: ela não está mais no céu, porque acabou seu trabalho e foi descansar...

Outra, demonstrando insatisfação com a resposta, indagou: qual é o trabalho da Lua?

Com ares e entonação de professora, a mais velha, imediatamente, respondeu: a lua, à noite, ilumina a cidade. De dia acaba seu trabalho e descansa, enquanto o Sol é que ilumina a cidade e as casas...

Continuou sua aula dominical para as mais jovens dizendo, que da Lua e do Sol dão a luz para a cidade e para as casas...

Havia interrompido o percurso normal em torno da praça, indo e voltando somente num mesmo lado, para permitir a continuidade de meu encantamento até o final daquelas duas representações de graça e inocência.

Mal dera continuidade ao percurso, escuto o convocar alegre de um pai para menino de uns três: vamos brincar de esconder. E explicou para o filho: tu te escondes, enquanto o papai fica de olhos fechados. Depois papai abre os olhos e vai te procurar.

Assim foi feito. O menino escolheu ficar atrás de fino tronco de árvore, ainda criança como ele. Seria muito fácil encontra-lo. O pai para valorizar a brincadeira, fingiu não vê-lo e perguntou em voz alta onde se escondera o filho.

O filho, mesmo antes de finda a pergunta, saiu do esconderijo e num estado de plena alegria correu para os braços do pai. E a brincadeira continuou mais meia dúzia de vezes, sempre com o mesmo enredo e o mesmo desfecho.

O interregno do período de chuvas no sul mineiro presenteou-me com a poesia de autoria da inocência em parceria com pureza e graça das crianças.

Poesia em sua inocência ao revelar, com pureza e graça: a simplicidade contida na misteriosa “cor do mundo”; e o trabalho imperceptível, por nós adultos, de Sol e Lua.

Poesia em sua inocência, por alterar, com pureza e graça, a brincadeira competitiva de “esconder” para outra, afetiva de “encontrar”, no caso, o carinho no abraço do pai.

Se em praças, parques e jardins, estiverem crianças, então é certa a presença de poesia...

J Coelho
Enviado por J Coelho em 09/04/2019
Reeditado em 15/04/2019
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