MORTOS INSEPULTOS

Temos o costume de enterrar ou cremar nossos mortos. Mas nem todos nossos "mortos" terão esse destino. Muitas vezes os mantemos a céu aberto eternamente, como se ostentássemos uma espécia de troféu do qual teimamos em descartar de uma vez por todas. Nem sempre esses defuntos foram de carne e osso algum dia. Podem bem ser nossos fracassos, nossas fantasias, nossos passos mal dados. Ou, quem sabe, podem também ser nossas certezas, achados, conquistas. Mas um tipo de certezas, achados e conquistas que deveriam estar bem enterradas a 5 palmos do chão ou terem virado cinzas - nada mais do que isso. Esses tais mortos insepultos ficam perturbando nossos dias e noites, zunindo ao redor sem cansar. Cadáveres que estão se putrefazendo, porque o tempo putrefaz tudo, mas enquanto os "vermes" ou o "fogo" não concluem seu trabalho, ficam encardindo nossa história, numa fantasmagórica atuação que faz um mal sem tamanho. No dia em que formalmente dermos um fim ao que restou deles - seja esse fim qual for - teremos o direito à usufruir da paz que tanto merecemos. Enquanto isso não acontece, teremos que conviver com esses mortos-vivos atazanando nossa vida, embriagando as ideias e provocando um terror vil e indigesto. Que tenhamos a coragem de realizar uma bela cerimônia fúnebre, com toda pompa que tem direito, pra nos livrar desses encostos nefastos que conhecemos tão bem. Só assim experimentaremos as gotas de felicidade que estão ansiosas pra entrar na nossa casca.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 09/04/2019
Código do texto: T6619044
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