AOS MEUS ANÔNIMOS LEITORES

Nessa madrugada insone, penso nos meus desconhecidos leitores - como você. Quem são essas criaturas que entram nas minhas palavras e extraem delas sua alma, talvez seu bojo mais escondido. Quem são as pessoas que nunca serei capaz de me defrontar, com quem nunca trocarei suores, nunca misturarei nossas peles. Se um dia nos cruzarmos na rua, certamente iremos nos mirar de canto de olho, arriscando um meio sorriso, talvez um assustado aceno de longe, talvez nos ignoremos de cabo a rabo. Quem são esses que pegam o que escrevo e reviram tudo, bagunçam tudo, fervem tudo num tonel do seu imaginário. Posso ter, no baú desses meus leitores. fugitivos da justiça, santos ainda não validados, mundanas cansadas depois de um longa noite de cabaré. Talvez reúna entre aqueles que me leem ermitões que regaram sua sapiência se enclausurando num beco qualquer, pedindo clemência ao céu. Pode ser que alguns dos meus leitores sejam ciganos húngaros, vagando de chão em chão surrupiando dos homens seus versos surrados pra fazer deles uma opereta maravilhosa. Pode ser que entre vocês, singelos leitores, existam amas de leite, ex-escravos que apanharam tanto que perderam seu coração, velhos surrados que não param de gargalhar num êxtase que dá gosto. Quem sabe se não trago, nesses meus incautos leitores, algumas crias desgarradas de Deus, que ficam olhando pros lados sem saber pra onde prosseguir. Essas dúvidas nunca abandonarão a trincheira que intestinam meus passos. É nessa fonte que recarrego as bazucas fagueiras que fazem minhas palavras se agruparem em textos como esse, inocentes textos, que conseguem ressuscitar meus trecos mais aflitos, mais esquisitos, mais meninos.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 09/04/2019
Reeditado em 09/04/2019
Código do texto: T6619020
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