a vida e as armas
(texto originalmente publicado em novembro de 2018)
Assustei-me de perceber uma possível conexão entre temas que podem parecer tão desconexos: o livro/filme “Contato”, de Carl Sagan, a série “Cosmos” do mesmo astrofísico, o documentário “Vida Extraterrestre” da série “Explicando” da Netflix, o filme “Vida” de Daniel Espinosa (2017) e, por fim, o fenômeno de ascensão da extrema direita no mundo, incluindo Bolsonaro no Brasil.
Em “Contato”, “Cosmos” e “Vida Extraterrestre” aparecem questões cruciais: por que não temos notícias de outras civilizações, visto que, dada a vastidão e idade do universo conhecido, é de se supor que não tenhamos sido a única espécie inteligente a surgir no mundo? Se existem outras civilizações, como elas teriam ultrapassado sua adolescência tecnológica? Se não existem, teriam elas todas se extinguido durante essa tal adolescência tecnológica?
Em “Vida”, uma ficção científica quase terror, os humanos, supostamente seguros na estação orbital internacional, cultivam um organismo unicelular dormente, encontrado a baixíssimas temperaturas no solo de Marte. Para deslumbre dos pesquisadores, assim que estimulado o organismo desperta e desenvolve-se. Mas o que no início parecia um ser gracioso e amistoso, ao desenvolver-se foge do controle, passa a ser uma ameaça, os cientistas tentam exterminá-lo. Então o organismo alienígena revela uma qualidade implacável: a luta pela sobrevivência. Surpreende a todos, quebra todos os protocolos de isolamento e segurança vigentes na estação orbital laboratório.
Se pensarmos um pouco, o mesmo instinto implacável pela sobrevivência é o que tem guiado a evolução das espécies no planeta Terra. O nosso desígnio primordial é sobreviver, nossos instintos básicos são de competição para superação dos competidores, reais ou imaginários. No passado do planeta, fenômenos naturais tais como mudanças na composição da atmosfera, congelamentos planetários, queda de meteoritos, promoveram extinções em massa que propiciaram o desenvolvimento de novas espécies melhor adaptadas. Foi assim que os mamíferos prosperaram após o declínio dos répteis decretado pela queda do grande meteorito há sessenta e cinco milhões de anos.
Agora talvez estejamos vivendo a adolescência tecnológica da humanidade. Nossa engenhosidade já nos permite construir artefatos para destruir o planeta, já somos capazes de desencadear o aquecimento global ou de degradar a atmosfera a ponto dela não mais nos proteger da radiação solar, somos capazes de poluir os mares, as águas doces, os solos, o ar, somos capazes de ameaçar a biodiversidade e o equilíbrio ecológico, somos capazes de manipular a informação divulgada globalmente e induzir populações inteiras ao consumo, ao desentendimento, à intolerância, à guerra... Não são mais os fenômenos naturais que estão no limiar de promover mudanças globais.
A engenhosidade humana desenvolveu-se aparentemente sem que tenha sido acompanhada pela evolução ética e espiritual. Somos capazes de comprometer todos os sistemas naturais que são os responsáveis pela manutenção da vida na Terra, inclusive a nossa vida. Passamos a ser a espécie dominante no planeta, superpovoando-o, mas não logramos aprender regras básicas de convivência de modo a preservar direitos equitativos, a garantir o respeito à diversidade e a coexistência pacífica.
A ascensão da extrema direita no mundo, marcada pela intolerância e violência, parece resultar destes dois fatores: primeiro, nossos implacáveis instintos de sobrevivência, que nos fazem competitivos e agressivos; segundo, a nossa adolescência tecnológica, já somos capazes de destruir o planeta e a humanidade, mas ainda não somos
capazes de controlar nossos atos e avaliar suas consequências.
Será a humanidade capaz de guiar-se não só pelos instintos básicos de sobrevivência? Será capaz de ultrapassar o crítico momento da adolescência tecnológica para alcançar um estágio de temperança, tolerância e paz?
Publicado no blog http://perrengasprincesinas.blogspot.com/2018/