autocrítica da crise (mea-culpa dos dissimulados)

(texto originalmente publicado em setembro de 2018)

Que vivemos um momento de crise sem precedentes ninguém parece discordar. O desemprego avança, o crescimento e os investimentos estão estagnados, a dívida pública cresce, direitos trabalhistas regridem, a miséria volta a fazer parte do nosso cotidiano, o fascismo, o ódio e a violência revelam-se sem escrúpulos, a juventude demonstra que não acredita nos benefícios da educação nem no futuro do país, prefere vias alternativas para a sobrevivência ou sair do Brasil. Mas isso não é tudo. Os políticos e o judiciário nunca estiveram tão desmoralizados, a mídia nunca foi tão facciosa, o cidadão comum nunca esteve tão confuso diante de informações tão manipuladas ou mesmo propositalmente falseadas.

É bom que nos perguntemos: como chegamos a isso? E ao procurar respostas, é bom que tenhamos consciência de qual, ou quais cérebros estamos empenhando nessa procura: o cérebro ancestral reptiliano, que é movido a instintos básicos de sobrevivência e domínio territorial? o cérebro límbico, que é movido a laços de sangue, amizade e mesmo compadrios, estes muitas vezes ilícitos? ou o neocórtex, responsável pelo raciocínio lógico, a reflexão capaz de estabelecer relações de causa e efeito?

Do necessário equilíbrio de desempenho destes três cérebros nascem a coragem, a empatia, a compaixão, o discernimento. Qualidades imprescindíveis se almejamos uma sociedade mais justa, mais solidária, mais humanizada. Caso contrário podemos descambar para o ódio, a segregação, o nepotismo ou a crueldade e a dominação aparelhadas pela ciência.

Neste momento peculiar que vivemos no Brasil muito se tem falado das razões da crise. Fala-se na herança maldita deixada pelos governos anteriores, fala-se na incapacidade do partido que dirigiu o país de fazer autocrítica e reconhecer seus erros. Diante da crise que vivemos hoje, é imperioso que saibamos fazer crítica imparcial. O partido que dirigiu o país cometeu erros? Certo que sim, talvez o maior tenha sido submeter-se aos poderosos e afastar-se da população que o elegeu. E não conseguiu apoio popular no momento de enfrentar a sabotagem que lhe foi movida. O principal partido que estava na oposição cometeu erros? Tasso Jereissati, seu conceituado ex-presidente, acaba de reconhecer na mídia vários erros graves: a contestação do resultado eleitoral, objeção que estremeceu a democracia; o apoio a pautas-bomba que impediram o governo de governar; o apoio ao governo Temer que traiu o programa que o elegeu e aprofundou a crise; o não expurgo do senador presidente do partido Aécio quando este foi flagrado em conversas e acordos inadmissíveis para um homem público de bem.

Mas a crítica e a avaliação da crise que vivemos não devem restringir-se aos políticos e seus partidos. Já se tem visto a grande mídia questioná-los amiúde. E quem tem questionado a grande mídia? Quem tem questionado as corporações nacionais e internacionais, as associações e lobbies de empreendedores? E quem tem questionado o papel desse ente quase fabuloso, o intangível mercado? Quem tem questionado interesses internacionais empenhados em fazer fracassar o Brasil próspero e soberano, pois a eles interessa ter-nos como permanente colônia com mão de obra barata, exportadora de matérias primas sem valor agregado para depois importá-las industrializadas?

O momento que vivemos parece colocar o Brasil numa encruzilhada: ou escolhemos um caminho de violência e ódio, ou um caminho de submissão aos rapinantes interesses internacionais e seus prepostos locais, ou um caminho de justiça social e soberania nacional. O equilíbrio entre nossos cérebros, o reptiliano, o límbico e o neocórtex, deverá ajudar-nos a fazer uma análise equilibrada. Não podemos continuar agindo em política como passionalmente agimos com o futebol, a religião, os ídolos das artes marciais.

Oxalá logremos esse equilíbrio. Oxalá acordemos para o papel que têm exercido entre nós todos esses grandes protagonistas da nossa realidade: os partidos e seus políticos, o judiciário, a grande mídia, as corporações e lobbies de empreendedores, o mercado, os rapinantes interesses internacionais e seus prepostos nacionais. Mas, sobretudo, que logremos ser capazes de avaliar o papel mais importante: a nossa própria conduta e exemplo, o nosso voto.

Publicado no blog http://perrengasprincesinas.blogspot.com/2018/