DUPLA PERSONALIDADE.
O meu coração está angustiado, inquieto, sem lugar, batendo desconsolado. Às vezes sou assim, nem sempre acontece, porém, hoje, exatamente hoje, estou em um desses dias de intranquilidade extrema. Não tem nada com o dia em si, que por sinal se faz encantador. É Sábado, sol forte, nuvens acinzentadas correndo soltas no céu, não muitas, espalhadas aqui e acolá, algumas muito altas, outras parecem querer tocar o chão. Pássaros canta ao longe, o dia em si está perfeito.
Neste momento em que escrevo essas palavras, encontro-me na garagem de casa. Vejo lá distante, em outro bairro, grandes árvores de copas volumosas, parecem querer alcançar o céu. A minha imaginação começa a trabalhar, logo vejo uma trilha lindíssima, lagos, pássaros, patos nadando no lago, tem um pouco de cada coisa. A imaginação é uma criança passeando na natureza, vendo os animais, tão livres, tão tranquilos, tão belos. De repente tudo se dissipa, meu coração volta à ficar triste, e o motivo eu não sei lhes dizer, não compreendo, tão pouco alcanço. Na falha tentativa de me sentir melhor, aquieto-me, silêncio, fecho os olhos, tentativa errada; na segunda, converso com minha outra personalidade, meu outro eu. Dessa vez ajudou, não como gostaria, mas ajudou o coração desse cronista a se acalmar dentro do peito.
A minha outra personalidade - me permitam apresentá-la - se chama 'Alberto de Andrade Lispector', conhecido como, 'Alberto Lispector', que, também é escritor. Diferente de mim, o 'Alberto' é poeta, às vezes prosador, o seu forte mesmo é a poesia. Alberto é um cinquentão, Jornalista e Teólogo, fala muito, gosta de parques, odeia tecnologia, enfim, apresento-lhes hoje, 'Aberto Lispector'. Minha outra personalidade, nem sempre presente, a verdade é que eu não me dou muito bem com ele, fazer o quê, a vida é assim.
- Agora veja - disse o Alberto - o beija-flor, aquele mesmo de outrora, também está lá no parque, atrás das árvores, sentada nos bancos, brincando nas trilhas, voando entre os arbustos. O beija-flor, está em todos os lugares.
- Besteira sua Alberto - Respondo.
- Houve um tempo - Insistiu ele - em que esse beija-flor não sabia voar, quase não o notei, então o tempo passou, suas asas cresceram, e ela aprendeu a voar. Ganhou as árvores mais altas, e depois o céu, até as nuvens mais baixas. O beija-flor desde aqueles dias nunca mais foi a mesma. Certa feita, em plena primavera, na praça das flores coloridas, ela apareceu, voando deliciosamente, penas reluzentes, olhos ofuscantes, canto suave, e lá estava a magnânima ave, diante de mim, encarando-me. Confesso que depois desse dia eu nunca mais fui o mesmo, meu coração enlouqueceu, como você bem pode notar, mas enfim… Quem neste mundo é normal? Somos todos frutos da nossas próprias loucuras, escravos de nossos próprios desejos ocultos.
- Por Deus Alberto… Vá embora. Disse já irritado.
- Não antes de deixar para os teus leitores um dos meus poemas.
- Que seja seu atrevido.
- Obrigado Tiago.
O tempo,
É o senhor de si mesmo
Determina o seu curso
Não se submete a ninguém
Não dá satisfação
O tempo,
Não tem face
Nem olhos
Nem coração
O tempo,
Nos escraviza a ansiedade
Nos condiciona a espera desesperada
Uma espera desesperançada
Subjuga as ações
Nos limita
Somos intimidado por este carrasco
O tempo,
Então surgiu na espreita
Na noite escura
Na rua estreita
Com ele trouxe tão negros olhos
Trouxe tão graciosa face
E eu, poeta errante
Vaguei com o coração aos pedaços.
O tempo,
Não teve misericórdia
Impõe a minha alma o suplício de amar
Desmedidamente amar sem ser correspondido
Sentimento de dor
Amar é ser livre?
Amar é voar nas asas do vento?
As vezes tenho dúvidas quanto ao amor
Quanto ao que realmente é o amor
Este sentimento tão antigo
Que remonta aos poetas mais longínquos
Que remonta o próprio tempo
Que sentimento é esse afinal?
Que me domina por inteiro
Que me faz prisioneiro
Nas grades de meu próprio peito
Que sentimento é esse afinal?
Que tem nos teus olhos grandioso poder
Que tem em tua voz completo domínio
Eu... Tão fraco e só
Esperando em um canto qualquer
Esperando qualquer coisa afinal
Eu... Poeta das noites
Com os meus versos de lágrimas
Espalhados todos ao chão
Sou apenas uma ideia,
Vago pensamento que se vai
Sou como a sombra passageira
Sou como a brisa no campo
Tão suave e pequena
Imperceptível.
O que na verdade eu sou?
É este poeta com juras de amor eterno?
Mas o que é o amor?
Eu não sei amar
Verdade é, que nenhum poeta
Jamais aprendeu a amar
Falamos do amor
respiramos o amor
Poetizamos o amor
Mas nunca aprendemos a amar,
Por isso somos poeta.
( Alberto Lispector )
O Alberto finalmente foi embora, agora estou só, eu e a solidão. Enquanto isso o coração continua angustiado, fazer o quê, os dias são assim.