TRANSGRESSÕES PERMITIDAS NUM CASAMENTO DE 26 ANOS

Tanto tempo junto traz certas regalias. Alguns pudores dos tempos de namoro e início da vida a dois escorrem pelo ralo, permitindo certos luxos que só quem aguenta um outro tanto tempo poderá usufruir. Falar o que vem à cabeça sem aplicar nenhum filtro, mesmo que esmigalhe a alma do cônjuge, tem salvo-conduto. Consequências da pisada na bola verbal vão acontecer, mas dá pra levar na maciota sem problema. O sexo, outrora tempero especial e usufrutável como agrado conjunto, vira saudosa lembrança. Além do mais, como os sinais do tempo cravaram suas garras em ambos os corpos, detonando aquelas curvas e rigidez de certos trechos, eles não têm o apelo visual que tanto aguçava certas ideias safadas. E como um conhece o que o outro pensa, trama, insinua e tudo mais, algumas palavras serão substituídas pelo silêncio assertivo, onde um olhar diz tudo. Nessa altura da vida a dois, quando envelhecer junto já está no roteiro das caminhadas futuras, certas alegrias são impagáveis. Acordar no meio da noite por um pesadelo devastador e constatar que ao lado alguém está roncando profundamente, é a melhor coisa do mundo pra trazer a paz de novo ao coração. Com a morte não tão inacessível já soando suas trombetas de aproximação, preservar essa história construída por mais de 1/4 de século exige fazer concessões e relevar a todo segundo. Mas o ganho final valerá a pena, porque ficar velho sozinho deve ser uma merda.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 05/04/2019
Reeditado em 05/04/2019
Código do texto: T6616132
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