Pai nosso...

... assim como nós perdoarmos a quem nos tem ofendido, não nos deixeis cair em tentação e livrai-nos do mal, amém!

Pai, dai-me forças para que eu possa sempre ser arauto do teu amor, testemunho dos ensinamentos evangélicos...

Cacilda, mas que é que estou colocando nas minhas orações! Bestei? Será que não seria melhor pedir, sim, primeiramente perdão dos meus pecados, mas também dinheiro, celebridade e poder, que ninguém vive sem essas benesses essenciais?

Este nosso mundo não merece alcançar a justiça e a solidariedade que os evangelhos nos ensinam! Parece mais que este é mesmo um mundo de penas, de sofrimento. Aprendemos pelo sofrimento na própria carne, e não aquele vivido por outros. O homem torturado e pregado na cruz não consegue nos ensinar lições de amor e sacrifício. Temos nós mesmos que quebrar a cara pra aprender alguma coisa.

Pai, como será que você está se sentindo ao ver-nos em tantos descaminhos e iniquidades neste nosso planeta que já dá sinais de saturação e colapso? Escarnecemos que você anda com o dedo no botão de destruição de sua obra, arrependido do mundo que criou. Será que está mesmo arrependido?

Às vezes penso que entendemos mal. Sua intenção era essa mesmo. Este é um mundo de provas, uma escola austera, e não um mundo destinado à prosperidade, à fruição, à felicidade e à iluminação. Será que a avareza, a ambição, a crueldade, a competitividade, a soberba, a injustiça nunca vão diminuir no planeta Terra? São qualidades que nos colocam à prova, convivendo com elas aprendemos, ou não! Se aprendermos, então iremos para outros planetas, criados para serem melhores. Parece que o nosso, este decantado planeta azul, nunca vai evoluir. É a escola para os alunos renitentes, que têm dificuldade de aprender.

Será que é isso mesmo? Então minhas preces pedindo por um mundo melhor, por gente melhor neste mundo, são vãs? Melhor seria eu rezar para que o mal esteja cada vez mais fortalecido, e assim nos convença com mais veemência de que o bem é preferível? E rezar para que pelo menos eu, e meus próximos mais próximos, aprendamos, para podermos ter direito a mundos melhores?

Pai, se seu filho aparecesse hoje por aqui na Terra, seu destino não seria diferente do que aconteceu já lá se vão dois milênios. Você e seu filho são uma afronta ao mercado, à livre iniciativa, ao empreendedorismo, à competência e ao dinamismo. Hoje seu filho não seria crucificado, mas talvez virasse um indigente perambulando por este mundo de modernidades. Ou seria assassinado, como já foram vários de seus seguidores que ousaram pregar a paz e o amor.

Aliás, acho que aí é que está o fulcro da questão. Você é um deus que não conseguimos compreender. Enquanto a civilização atual é filha do deus mercado, esse sim presente em nossas vidas. Ele nos diz como viver, como ser felizes, que convicções e ideologias são corretas, como votar... Aliás, ele cria e supre nossos desejos, e também supre leis e governantes que primam por atender esses nossos construídos desejos. O deus mercado é muito eficiente. E você, pai, parece-nos muito ausente...

Bem, pai, isto que era pra ser uma oração, virou uma lamentação. Concordo que, olhando bem, o mundo que nos foi concedido, a Terra com todas suas benesses, parece o paraíso. Tão maravilhoso que concedeu-nos o milagre da vida. Mas por que motivo nós humanos fazemos de nossa passagem por aqui um inferno? Exagero meu? Mas guerras, miséria, injustiças, desigualdades, mesquinhez, desonestidade, crueldade e desumanidade são marcas deste nosso mundo, não são?

Só posso acreditar que esse era mesmo seu plano. Este nosso mundo é uma escola. Implacável. Quem passar de ano, vai pra outros mundos melhores. Este, nossa Terra, é pra ser assim mesmo. Um duro campo de provas. Não vai evoluir.

Será?

Publicado no blog http://perrengasprincesinas.blogspot.com/2017/