A África é longe demais!

Queria pegar o primeiro avião, cruzar os meridianos e aterrissar em Moçambique, Zimbábue ou Malaui. Mas, temos nossas próprias tragédias nacionais para nos preocuparmos. Sob a lama de Mariana e Brumadinho há mais do que corpos apodrecendo entre os dejetos da ganância humana. São vidas interrompidas por uma catástrofe que não tem nada de natural. Esses crimes foram planejados nos mínimos detalhes para serem apagados da memória coletiva e esquecidos pelas autoridades incompetentes do país!

Queria percorrer os territórios afetados pelo ciclone e levar alento e esperança para os desabrigados que não tem o que comer, nem onde dormir. Ao mesmo tempo, vejo pelas esquinas e praças das cidades tantos famintos em busca de trabalho, comida e abrigo. São imigrantes que fogem às centenas de um governo autoritário e ditatorial que insiste em se manter mesmo levando sofrimento e miséria aos seus cidadãos, que buscam a sobrevivência em um território estranho, que fala outra língua e cujo governo é hostil.

Queria ajudar aquelas pessoas a retomarem suas vidas, voltarem a ter um trabalho, reconstruírem seus lares e superarem a tragédia. Porém, em nosso país, os trabalhadores estão perdendo seus direitos, conquistados com o sacrifício de tantos outros brasileiros, para servir aos interesses de um Estado manipulador e corrupto. São pessoas como eu e você que sustentam com o suor de seu trabalho um governo que entrega nosso salário a políticos, empresários e latifundiários através de negociatas, acordos e licitações fraudulentas.

Tenho vontade de gritar aos quatro cantos e fazer minha voz ser ouvida pelos governos do mundo para que possam ajudar a restabelecerem as nações destruídas pelo desastre ambiental. Mas, lembro que o Brasil vive sob um governo que flerta com a ditadura e utiliza-se da fé do povo ingênuo para disseminar uma cultura de ódio e intolerância que cerceia os direitos das minorias sociais. Tudo isso, para atender aos interesses de uma elite preconceituosa e racista que se alimenta da desgraça do povo pobre.

A África é longe demais! Não posso estender meus braços e abraçar essa gente sofrida, dar minhas mãos para ajudar a erguer os corpos machucados pela tragédia, dizer algumas palavras de conforto aos corações quebrantados daquelas pessoas. Às vezes, é preciso olhar ao nosso redor se quisermos entender o que se passa dentro de nós...

(Elcio Costa)