A COR DOS ANJOS
Era quase dia de Natal. Os alunos estavam ansiosos para saber quem iria participar da peça sobre o nascimento de Jesus. A seleção era feita pelos professores de Arte e de Língua Portuguesa. Diziam que era muito rigorosa e concorrida. Todos queriam dar esse orgulho a seus pais.
Levava-se em consideração a boa dicção, a tranquilidade, o carisma, a capacidade de comover o público e a memorização das falas. Todos esses aspectos ou pré-requisitos eram preenchidos com sobra por Lucas. Ele muito sonhara com o dia em que representaria o anjo Gabriel, anunciador da gravidez de Maria. Havia diversos concorrentes, mas ele estava confiante.
Depois de uma semana de puro suspense, os professores divulgaram a lista dos selecionados. Surpresa, tristeza e choro. O nome de Lucas não constava na lista. Estava fora da peça daquele ano. Ele mais três meninas e três meninos não conseguiram entrar para o elenco da peça “O Nascimento do Menino Jesus”.
Isso o deixou muito triste realmente, mas nada comparado ao que sentiu quando soube do motivo pelo qual não fora selecionado. Como o sanitário dos alunos estava em manutenção, entrou no dos professores. Dentro do sanitário, ele suspende o zíper da calça se preparando para sair, quando de repente começa a ouvir uma conversa entre os professores que fizeram a seleção. Estavam um pouco agitados.
— Por que você fez isso? – pergunta um professor.
— Isso o quê? – diz o outro sem entender.
— Você sabe.
— Não, não sei não. Por que não escolheu Lucas para ser o anjo Gabriel? Ele realmente se esforçou para isso.
— Não basta se esforçar, você sabe muito bem.
— É, sei disso. E sei também que você tem um motivo muito forte, não tem?
— Se sabe pra que me pergunta?
— Para ter certeza.
— É, é isso mesmo. Não o escolhi porque ele é negro.
— E você acredita que isso seja correto?
— Sim, acredito. Primeiro porque eu nunca vi e nunca soube de algum anjo que fosse negro. Soube, sim, de demônios. E segundo, porque o pai do menino escolhido é um dos melhores clientes de nossa escola. Nunca atrasa o pagamento das mensalidades de seus três filhos que estudam aqui. E nenhum deles tem bolsa meu querido.
— São seus motivos?
— São ótimos motivos.
Os professores terminam o que foram fazer e vão embora.
Lucas não tinha irmãos naquela escola e estudava ali por que seu pai ganhara uma bolsa num sorteio que houve em seu trabalho. Ali, trancado no sanitário, aquele aluno ouviu toda a conversa. Não conseguia pensar mais em nada, não tinha mais vontade de sair dali e nem queria mais olhar no rosto daqueles professores. De mãos nos olhos, molhadas pelas lágrimas que desciam, o menino de apenas onze anos tomava conhecimento de que nessa vida não só as pessoas têm cor mas também os anjos. E, pelo que se divulga em nossa sociedade, não há anjos negros.
Entristecido, o menino se perguntava: “Qual é a cor dos anjos?”