Um sul-africano nordestino
 
          A campanha foi alicerçada no ódio através de repetidas mentiras, não importava por quais meios: na TV, nos jornais, na mídia, nas escolas, nas igrejas e até nos momentos mais sagrados da família, como à mesa do almoço ou do jantar. Tudo em nome da ideologia sectária, até por parte de quem, contraditoriamente, afirma o desaparecimento da ideologia: “Ideologia não existe mais”, praticando-a. E, com a aparente vitória do ódio, sente-se que, para se manter o adquirido ou status quo, investe-se na continuação de uma massificação rancorosa, como se os odientos temessem que o ódio não tenha vencido. Temos observado que, democraticamente, afirmam-se no poder os que se propõem à tarefa de servir, e assim encantam, agradam, mesmo sendo, injustamente, objetos indiretos do ódio, a exemplo do sul-africano Nelson Mandela que atuava contra a discriminação no seu país; ter-lhe-iam certamente dito o jargão verbalizado pela raiva: “Vou acabar com a sua raça”. Tais ameaças ao bem, por si só, não se sustentam, também porque quem odeia, quem se vinga, mesmo quando consegue pouco dos seus objetivos, não se sente feliz...
          No entanto Mandela, preso sem qualquer culpa cabal comprovada, era feliz, mesmo brutalmente humilhado, nunca perdeu sua decência, sua altivez, sempre aclamado pelo povo do seu país e internacionalmente respeitado e homenageado, mesmo quando ainda trancado na cadeia. Se não fosse perseguido pelo ódio de uma inconformada e inconsequente minoria, jamais ele teria sido preso. Finalmente, depois de 27 anos de prisão, ele foi solto pelo clamor das multidões e voltou às ruas, tranquilo, sem desejo de revanche. Indicado e eleito pela expressiva vontade do povo, aceitou governar o seu país e seguiu o plano da benevolência. E ao tomar posse nessa sua prestigiada e alta função de Presidente, ofereceram-lhe um banquete, quando ele fez sentarem, ao seu lado, um à esquerda e o outro à direita, seus dois algozes do longo período de prisão. Carcereiros esses que sempre repetiam, pelos corredores do cárcere, ser Mandela um homem de bem e inocente, o contrário do juiz que o tinha encarcerado, sem provas, maquinando apenas levianas suposições... É imensa, à vergonha de quem honestamente julga, a relação dos grandes homens e das grandes mulheres, heróis e heroínas, que foram prisioneiros ou prisioneiras por sentença da inJustiça.
          Fora das grades, voltou Mandela a conviver com o seu povo; sem lamentar seus sofrimentos passados na prisão, dizia palavras construtivas, como nada houvesse ocorrido ou lhe tivesse acontecido. Respeitosamente dialogando com os seus odientos perseguidores, deu lugar no poder a todas as tendências políticas da república sul-africana. Somente um homem de admirável estirpe como a de Nelson Mandela, depois de sofrer tantas malvadezas a si, à sua família e ao seu povo, perdoa. Percebe-se que o perdão geralmente irrita quem odeia, e quem perdoa pratica, sem querer, uma nobre “vingança”. Contudo, a misericórdia ou o perdão tem eloquência divina, como escreveu na sua obra “Vingança, não”, meu ex-professor Francisco Pereira Nóbrega, cronista neste espaço e confrade da cadeira 33 da APL, padre e filho de cangaceiro brutalmente assassinado : “Vingar-se é menos do que humano, porque é próprio das feras; perdoar é mais do que humano, porque é próprio de Deus”.