O mendigo é feliz

Já há alguns anos eu passava por uma fase de tristeza muito intensa e profunda. Eu sobrevivia, na verdade. Não possuía energia alguma para tocar a vida, e somente cumpria com os meus deveres. Não tenho recordações de muitos anos da minha vida, talvez por viver assim, à deriva.

Enfim, algumas coisas existem de recordações e elas estão escritas. Tenho anotações, escrevo eventualmente e gosto de expor no papel sobre meus sentimentos. Indicaram-me rasgar as anotações, mas meu exercício é inverso. Eu preciso guardar, para conferir minha vida mais pra frente. Sempre a mesma merda, as mesmas lamentações e pouquíssimas conquistas.

Mas uma coisa me chama a atenção: foi a escrita de um texto longo, que me tomou depois alguns dias, mas sem perder a essência e a sequência. Nele eu reportava recordações de uma vida passada, ou então experimentava uma nova vida, comentando o meu passado. Isto já foi tratado como um episódio de experiência fora do corpo, com uma vida passada, como algo ligado a um episódio de surto. Tudo bem com isso, não sofri com nenhuma das observações.

A experiência de base deste texto tem a ver com algo que eu observava nas ruas, capitaneado por certa insatisfação com a vida e com os nosso anseios. A vida tinha um quê de insatisfações e questionamentos acerca de sentidos, e por isso me perguntava se valia a pena fazer o que vivia fazendo. Já havia pensado em suicídio e que dar cabo à própria vida era algo válido e perfeitamente viável, dentro de alguns princípios.

E esta experiência era a da observação de moradores de rua. Certa vez me questionei sobre eles sim serem pessoas felizes e satisfeitas com o que o mundo oferece. Vivem da providência, das esmolas, como em muitas partes do Evangelho se percebe o ideal cristão, de não precisar de nada, de sempre confiar. Nós, que crescemos nessa cultura influenciada pelo cristianismo caímos em teologias e filosofias que tentam - e fazem - acreditar que é parte do cristão ser próspero e superior aos demais pois alguém venceu por eles, se fodendo todo numa madeira. Os mendigos, para mim, eram as pessoas mais felizes do mundo pois viviam o que dava pra viver, e em muitas vezes capazes de dividir o pouco com seus pares ou mesmo com os vira-latas que os acompanhavam.

Então este meu texto (que chamei de “as aventuras do louco”) são um convite até hoje para mim, no sentido de refletir sobre este “eu” que ainda transita às margens da vida, remoendo um passado aparentemente estável e feliz, mas inalcançável pois já foi, enquanto troca a saúde por alguns zeros no contracheque.