Eu Queria Ser Uma...
Talvez a avaliação psicológica seja a parte mais assustadora em uma entrevista de emprego; as criativas perguntas, o entrevistador lhe encarando frio ou a possibilidade de você ser considerado um doido, torna tudo um pouco mais dramático. Mas de todas as perguntas, há uma que, talvez, seja a mais famosa e desafiadora: "Qual animal você gostaria de ser?". Particularmente, considero uma pergunta bem estúpida, mas há quem ache que a resposta diga muito sobre a pessoa.
O ano era 2012, saía toda tarde para estudar na casa de um amigo, compartilhavamos da mesma situação: jovens, recém formados no ensino médio, inexperientes, à procura de emprego e também de uma faculdade. No meio disso tudo havia sua mãe: uma senhorinha bastante combativa e que tratava seu amado filho feito criança. Em um determinado dia, fui a sua casa como sempre fizera, ele não estava, fui avisado por sua mãe que ele havia ido a uma entrevista de emprego arranjada por ela. Voltei pra casa e marquei de retornar no dia seguinte. Ao chegar no portão, já no dia seguinte, ouço vozes alteradas dentro da casa, algo incomum devido ao estilo deles. Eu entrei e de pronto fui recebido com a frase "ô meu filho, você não vai acreditar no que seu amigo fez. Pergunta a ele o que ele me fez ontem". Até aí eu não sabia o que esperar, ela estava séria e ele meio sem jeito, imaginei estar próximo de me envolver num baita problemão familiar. "Deixa de ser chata, mãinha", disse. Insisti para que ele falasse, mas não tive sucesso, o coitado estava engasgado, saiu da sala pra cozinha e por lá mesmo ficou. A depender dele eu nunca ficaria sabendo de nada, mas, sua mãe fazia questão que eu soubesse. É que depois de tanto implorar, ela havia conseguido a entrevista na empresa da amiga da igreja, já estava tudo acertado, faltando ele 'apenas' passar pela avaliação psicológica.
"Meu filho, se te perguntam na entrevista de emprego qual animal você queria ser, você responde Leão, Águia, Cavalo. ..né?", indagou. "Sim, normalmente eles esperam essas respostas", respondi. "Pergunta ao seu amigo o que ele respondeu", disse. E eu, claro, perguntei, mas ele nada falou. Então passei a pergunta pra sua mãe, e eis a resposta: "Você acredita que esse menino falou pra psicóloga que queria ser uma TAR-TA-RU-GA?".
Bem, nunca passei por um psicólogo, não faço ideia do que significa ser uma tartaruga para os entrevistadores, menos ainda porque diabos alguém desejaria ser uma tartaruga. Mas imagino que nenhuma empresa deva ter interesse em um funcionário do tipo. Suponho, e apenas suponho, que o grande lance desta pergunta esteja em comparar as características do animal escolhido com as do funcionário ideal, sendo assim, enxergo três vantagens num "funcionário-tartaruga": a primeira é a adaptação, afinal é um bicho caseiro e, como tal, também possui esta característica; a segunda é seu temperamento digamos... inofensivo, pois nos dias de hoje, ter um funcionário "sem culhões", é o sonho de toda empresa: não cria problema nem dentro e nem fora dela; curiosamente, a tartaruga é bem obstinada, apesar de sua lerdeza, ela pode até demorar, porém ninguém lhe impede de chegar onde quer.
Mas o que tiro de tudo isso, fora, claro, as longas gargalhadas ao relembrar a cena da mãe do meu amigo pronunciando "Tar-ta-ru-ga", é como uma única palavrinha pode nos render muito, seja pro positivo ou pro negativo. Ah, sobre meu amigo, meses depois ele conseguiu um emprego. E, contrariando toda a lógica empresarial, toda uma classe de psicólogos, estudiosos e entendedores da psique humana: ele permanece até hoje empregado, muito próximo de completar uma década na empresa. O grande detalhe é que, desta última vez, ele não passou por nenhum teste psicológico para ser contratado. É, caro leitor, isso é a vida; pouco justa, mas muito irônica. Ou seria o contrário?