Araucaria angustifolia, generosa soberana
(texto originalmente publicado em fevereiro de 2017)
Desde meus tempos de criança, quando morava próximo à Serra da Cantareira na zona norte de São Paulo, aprendi a admirar e estimar o pinheiro araucária. Meu pai levava-nos caminhar por um bosque de árvores situado próximo à casa de meus avós, e durante o passeio falava-nos que aqueles pinheiros, que me pareciam gigantes incomensuráveis, eram as mais genuínas árvores brasileiras, e que o país ainda haveria de ser grande como elas. Hoje ainda existem por lá algumas árvores remanescentes, num clube que leva por nome Pinheiral.
Durante minha alfabetização, a instigante estória das gralhas a enterrar sementes e expandir os pinheirais incentivou-me a aprender a ler e povoou-me a imaginação com mitos que carrego ainda hoje. Depois ainda aprofundei minha admiração e apreço por aquelas altivas e elegantes árvores, em andanças por altos ermos da Mantiqueira e da Bocaina, durante levantamentos geológicos do Vale do Paraíba e regiões vizinhas.
Mas foi quando vim para o Paraná, já lá se vão mais de vinte anos, que em minhas andanças pelas matas da Escarpa Devoniana a minha estima e admiração pelas esbeltas árvores transformou-se também num profundo respeito. Não só pelo fato dela ser a árvore símbolo do Paraná e por um ramo seu aparecer na bandeira do estado. E não só pelo fato de que agora, já um maduro adulto, tenha voltado a sentir-me uma criança diante de um incomensurável gigante quando fui conhecer uma árvore já secular, poupada da sanha e da serra dos madeireiros lá pelos anos 1960 e 1970 pelo fato de situar-se à beira de um abismo, se tivesse sido abatida nunca poderia ter sido resgatada.
Com uma professora de botânica minha colega aprendi que a presença da araucária significa que uma mata está em seu clímax evolutivo, o ápice dos estágios sucessionais. Isto é, aquela mata está em sua evolução ecológica máxima, o que só é alcançado depois de muitas décadas de desenvolvimento sem degradações ou crises fortes. Ou seja, se a araucária está presente numa mata, esta já passou por muitas fases de evolução, quando primeiro se desenvolveram muitas outras espécies, vegetais e animais, que constituem a complexa comunidade de vida necessária para que haja condições de crescimento e sobrevivência da soberana dos bosques: a araucária.
Aprendi também que, se sua existência é exigente, por outro lado a araucária retribui com muita generosidade o sub-bosque que a propiciou. Ela oferece o pinhão, alimento de ratos, cutias, pacas, macacos, tuins, papagaios, maritacas, gralhas e muitos outros bichos, que por sua vez vão alimentar lobos e felinos. Estes últimos não são só predadores, mas são dispersores de sementes e reguladores das populações, ou seja, têm também seu papel na complexa trama ecológica dos bosques mais exuberantes, que vai desde o solo e seus microorganismos até os maiores mamíferos e as imponentes araucárias.
E os humanos então! Embora o pinhão não consiga conquistar meu paladar, tenho de reconhecer, um dia, após uma extenuante caminhada, quando me deparei com um caldeirão com pinhões cozidos, eles me pareceram a mais saborosa iguaria que existe. Talvez só não mais saborosos que o pinhão sapecado no fogo da grimpa, em torno do qual o povo simples do campo conta e reconta os deliciosos causos da mata e da noite.
E não só o pinhão é uma benesse que nos oferece a elegante árvore. Ela se deixa desdobrar nas tábuas que foram a matéria prima das vivendas dos colonizadores, onde nos fogões o nó de pinho aquecia, e aquece, no inverno gelado dos planaltos do sul. Nós de pinho que além de aquecer, com seus anéis de crescimento nos revelam a idade das árvores. Os livros dizem que elas podem alcançar até 350 anos, mas há relatos de que no Estado de Santa Catarina, em Jaraguá do Sul, num museu há um nó de pinho antigo com mais de mil anéis. As árvores teriam então, além da altivez e da elegância, a sabedoria que o tempo traz. Além disso, os nós de pinho preservam-se intactos por milhares de anos soterrados em sedimentos ao longo dos rios, e podem então contar-nos também a história de climas passados antes que por suas matas existissem seres humanos.
Que lição a vida nos dá. A existência da imponente araucária depende de todo um complexo sistema de vida e de fatores ambientais, mas a árvore soberana reina generosa retribuindo a bênção de sua existência com a semente que vai realimentar a terra, com a madeira e o nó de pinho.
Pudera nós humanos aprendêssemos com a natureza como governar com generosidade e sabedoria. Parece que entre nós como regra geral os líderes não têm muita noção da importância que tem toda a tessitura social para a sobrevivência e a prosperidade de toda a comunidade. Parece mais que agimos como supostas altivas árvores que, ao alcançarem o dossel das matas, os níveis mais elevados da escala social, desprezam e deixam minguar todo o sub-bosque que lhes deu vida, sem aperceber-se que assim estão também condenando a si próprias.
Publicado no blog http://perrengasprincesinas.blogspot.com/2017/