Panelas de pressão
O sol apareceu cedo, quente e abrangente, o que me leva a crer que não teremos água jorrando do céu hoje. Paciência. Por ora, nos contentemos com seus presságios e sigamos às orientações dos especialistas. Vamos lá: aos, no mínimo, dois litros de água recomendados; ao corpo com roupas leves, dessas que o vento não leva; às janelas de casa abertas, às portas bem trancadas; e às contas em dia. Eu mesmo já fiz meu proceder: já tomei uma caneca de água, equivalente a quase meio litro de água; cobri uma parte do corpo; abri a janela; verifiquei (duas vezes, que sou metódico) se a porta estava fechada; e as dívidas já quitei, pelo menos as essenciais, incluíndo a da provedora de internet...
Então, agora que estou pronto para sobreviver a um dia ensolarado, ouço um ruído doméstico que me prende ao sofá e a reflexões incertas. O chiado louco vem da cozinha, mais precisamente da panela de pressão — e perguntas me vêm à mente: "Quem inventou a panela de pressão não poderia tê-la feito muda? Por que é preciso que ela faça tanto barulho?" A resposta para essas questões, penso, é simples: se ela fosse silenciosa, como saberíamos se está cozinhando, se está trabalhando? O barulho dela serve, principalmente para mim, como alerta. No meu caso, que não sou nada afeito à arte de cozinhar, interpreto o alerta como sinal para correr de perto dela. Por isso não tarda para que peça à mãe para acalmá-la e, então, a especialista se aproxima do fogão, verifica se está tudo nos conformes e desliga-o, silenciando, assim, a bomba atômica caseira.
Sei da importância desse objeto doméstico para a vida moderna. Já pensou como demoraria para nosso almoço ficar pronto se não houvessem inventado a panela de pressão? Cozinhar em panelas de barro pode até ter seu charme, mas, convenhamos, para as exigências do mundo pós-moderno, denota coisa de bárbaro. A vida pede pressa, e o dia só tem vinte e quatro horas... Por isso, penso, homens de Ciência criaram panelas de pressão, escadas rolantes, elevadores e outras urgências do cotidiano pós-moderno. Eu, que vejo quase tudo a meu redor em embulição, fico assim meio malassombrado com esses ruídos hodiernos. Fico meio travado ante uma escada rolante; meio desesperado sob um ventilador de teto; meio preso ante a vastidão de uma estrada de asfalto; e, por fim, fico sem meu meio: meio absorto no mundo dos dias de vinte e quatro horas e das panelas de pressão.