Às cinzas
Cachaças foram muitas, fantasias profanas, rezas poucas e, então, chega a quarta-feira de cinzas com uma péssima notícia: o Carnaval acabou. ''E agora - pergunta-se um folião - que vou fazer com os dias longos, com minha rotina de desempregado, com o calor que me espera e sem Jenifer?"
Não sei, suponho. Suponho que o Carnaval o enganou, que o desemprego é uma realidade, que o álcool é um péssimo conselheiro e que Jenifer é uma ingrata, dessas criadas no frevo e na folia. Ela não leva consigo as responsabilidades dos mortais, que é assim, meio brisa, meio tempestade. Folião que se preze não deve crer nem em Jeniferes nem em Carnaval, que são duas miragens.
Deve deter-se a algo mais elevado, quem sabe às torres de sua inconsciência ou talvez a procurar emprego nas oficinas do desespero. Deve, em última instância, intrigar-se de álcool e outros meios alucinógenos igualmente nocivos à lucidez ausente, como a televisão e o jogo de cartas. Mas, suponho, essas medidas não o salvarão do ''sopro de consciência'' que o espera e teme. Talvez ele, esse folião pecador, nesta quarta-feira de cinzas, deva é ir à missa, em busca de antídoto a suas dores lombares e outras mais, digamos, profundas.
Lá chegando, fale: "Seu padre, eu pequei! Bebi em excesso, desejei Jenifer e não rezei. Aqui estou, para tomar as cinzas e me converter às ordens divinas, pois." O padre o ouvirá com atenção, sem inclinações prévias, com total devoção às dores dos homens e ao fim lhe recomendará alguns pai-nossos, umas penitências e lhe dará as cinzas. E tudo estará bem, e as canções do mundo, e os males da carne, e o desemprego, e o calor, e a ingrata jenifer serão cinzas, dessas que o vento leva por trezentos e sessenta dias e depois as devolve por cinco. Então esse ex-folião sairá da missa revigorado, graças a cinzas da bendição, quase feliz e distante do Carnaval e próximo do ano de trezentos e sessenta dias. Oxalá.